O discurso e a prática

por Luiz Araújo(*)

O primeiro pronunciamento em rede nacional da presidenta Dilma foi sobre educação. Não deixa de ser uma boa notícia a educação ocupar o tempo e o verbo presidencial. Foram milhões de brasileiros ouvindo que educação de qualidade deve ser prioridade.

O que a presidenta falou?

1. Reafirmou o “compromisso com a melhoria da educação” e convocou “todos os brasileiros e brasileiras para lutarmos juntos por uma educação de qualidade”;

2. Afirmou que “nenhuma ferramenta é mais decisiva do que ela para superarmos a pobreza e a miséria”;

3. Disse o óbvio, que “é hora de investir ainda mais na formação e remuneração de professores, de ampliar o número de creches e pré-escolas em todo o país, de criar condições de estudo e permanência na escola, para superar a evasão e a repetência”. E também que “é hora de fazer mais escolas técnicas, de ampliar os cursos profissionalizantes, de melhorar o ensino médio, as universidades e aprimorar os centros científicos e tecnológicos de nível superior”;

4. Alfinetou ou tucanos ao falar da necessidade de “acabar com essa trágica ilusão de ver aluno passar de ano sem aprender quase nada”;

5. Quando a presidenta resolveu citar ações concretas para tornar realidade as declarações óbvias ela listou três ações: a) Lançamento neste trimestre do Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica, o Pronatec; b) acelerar a implantação do Plano Nacional de Banda Larga e; c) corrigir e evitar falhas no Enem e no Sisu.

Foi frustrante. Como todos nós estamos assistindo propagandas oficiais sobre valorização do professor e sobre o novo Plano Nacional de Educação, a fala presidencial foi evasiva sobre os principais desafios educacionais.

Das três propostas apresentadas pelo menos uma é muito polêmica, pois se trata de dar isenções fiscais ao setor privado para oferecer mais vagas no ensino profissionalizante. Essa proposta tucana foi progressivamente conquistando o governo. É a manutenção da lógica de crescimento lento no setor público (afinal não podemos aumentar os gastos públicos com serviços sociais, somente com pagamento da dívida!) e incentivo financeiro para oferta educacional no setor privado.

Não falou nada sobre o PNE. Não falou nada sobre a elevação dos recursos para a educação.

Ontem (10 de fevereiro), a Senadora Marinor Brito (PSOL-PA) denunciou que no ano passado o gasto feito com pagamento da dívida pública foi de R$ 264 bilhões, ou seja, cinco vezes mais o que a União aplicou em educação.

O diretor da UNE Vitor Lucena disse ontem que o debate sobre financiamento “passou batido” no discurso da presidenta Dilma, que não citou nada sobre PNE no mesmo momento em que corta 50 bilhões no Orçamento Federal.

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seu blog, afirmou que Dilma “falou muito, mas não disse o essencial”, não citou o PNE e cometeu uma falha grave “que pode significar, no mínimo, a baixa relevância dada ao PNE pelo Governo Federal”.

O desafio do movimento social será cobrar da presidenta que sua promessa de que “esta é a grande hora da Educação brasileira” saia do plano discursivo e se materialize em medidas práticas. Pois investir na formação e remuneração dos professores, ampliar o número de creches e escolas e gerar mais vagas no ensino técnico e universitário custa dinheiro e a União precisa dizer quanto se dispõe a ajudar nesta grandiosa tarefa.

Luiz Araújo é professor, mestre em políticas públicas em educação pela UnB e doutorando na USP.

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