Um salário mínimo maior é possível e necessário!

por Chico Alencar (*)

Neste debate sobre o salário mínimo, há questões pouco lembradas que o PSOL tem a obrigação de trazer ao debate:

1) O Artigo 7°, inciso IV da Constituição Federal, afirma que é direito do trabalhador o salário mínimo capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos), o salário mínimo necessário para garantir estes DIREITOS seria de R$ 2.227,53 – em valores de dezembro de 2010. Isso deveria ser meta para quem quer um país menos desigual (como, aliás, o PT, antes de ser governo, sempre defendeu).

Estão equivocados os que afirmam que o salário mínimo atingiu o maior nível dos últimos 40 anos. Ainda segundo o DIEESE, o salário mínimo em 2010 ainda estava inferior ao ano de 1986, por exemplo. Importante relembrar que o presidente Lula havia prometido dobrar o poder de compra do salário mínimo em seu primeiro mandato. Para que esta promessa fosse cumprida, o mínimo deveria estar hoje em R$ 700. Tínhamos a obrigação de debater e viabilizar este valor.

Diz o jornal O Estado de S. Paulo (14/2/2011, Nacional, pág. A7), insuspeito de privilegiar os interesses dos trabalhadores: “Outro dado que reforça o cenário de perda maior do poder de compra pelos mais pobres é o aumento da cesta básica, que na média nacional subiu 15,8% nos 12 meses encerrados em janeiro (segundo dados da página do Banco Central). A reposição apenas pela inflação cheia representa perda real de renda para parte significativa da população.”

2) Para manter mínimo o salário mínimo e limitar os gastos com a Previdência Social, o governo e diversos analistas costumam utilizar o falacioso discurso de “déficit” na Previdência. Ele só existe quando se considera como receitas da Previdência Social, apenas a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.

Porém, a Previdência está inserida na Seguridade Social, que também reúne as áreas de saúde e assistência social, e cujas receitas não se limitam à contribuição previdenciária sobre a folha, mas abrangem também contribuições como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Tabela elaborada pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) mostra que a Seguridade Social tem apresentado seguidos superávits, mesmo após a crise global, que reduziu enormemente a arrecadação tributária em 2009: nos anos de 2007, 2008 e 2009 a Seguridade Social apresentou superávits de, respectivamente, R$ 72,8 bilhões, R$ 64,8 bilhões e R$ 32,6 bilhões. Portanto, nestes 3 anos, o superávit da Seguridade Social atingiu, em média, R$ 56,7 bilhões, valor este que poderia garantir um salário mínimo de R$ 738 em 2011.

3) Alega-se também que, caso o salário mínimo fosse aumentado significativamente, haveria uma demissão em massa de trabalhadores no setor privado. Porém, tal medida poderia ser acompanhada pela redução dos tributos incidentes sobre o consumo, e o aumento da tributação sobre o patrimônio e a renda (principalmente dos rentistas), atualmente aliviados pela injusta estrutura tributária brasileira. De fato, o capital teria sua alta remuneração um pouco reduzida, em favor da valorização do fator trabalho. Mas é isso mesmo que defendemos!

4) Outro argumento recorrente para contestar um acréscimo significativo no salário mínimo é o de que este inviabilizaria os orçamentos municipais. Números da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estimam em R$ 38 milhões o impacto nas contas das prefeituras para cada R$ 1,00 de aumento dado ao mínimo. Portanto, se o salário mínimo for para R$ 700,00, aumentará as contas municipais em 5,89 bilhões em relação à proposta do governo. Esse impacto pode ser facilmente revertido com o aumento dos repasses da União, hoje em apenas 9,2%, a partir de recursos hoje destinados ao intocável pagamento da dívida (5 vezes maiores do que essas atuais transferências!)

5) O DIEESE atualizou a série histórica do salário mínimo, trazendo seus preços para o mês de junho de 2010. Este importante trabalho é revelador, pois os dados foram deflacionados mês a mês, o que nos permite avaliação minuciosa. O salário mínimo passou a vigorar em julho de 1940, no governo do presidente Getúlio Vargas. Atualizado a preços de 2010, nasceu valendo R$ 1.126,57, isto é, 120% maior do que o salário mínimo de hoje!

Já no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 61) o salário mínimo alcançou o seu maior poder de compra: convertido a preços de 2010 representa R$ 1.623,18 em janeiro de 1959 (218% maior que o praticado no Brasil atualmente). Esta marca foi recorde em sua trajetória.

A história do salário mínimo no Brasil é uma gangorra, com momentos de ascensão do seu poder de compra e períodos de declínio. Chegou ao fundo do poço em abril de 1992, no governo Collor de Mello (1990 – 92), quando valeu, segundo o Dieese R$ 191,18.

Desde sua criação, portanto, o salário mínimo foi maior que o atual na primeira metade da década de 40, nas décadas de 50, 60, 70 e até mesmo em parte da década de 80 – considerada a década perdida.

6) Vale ressaltar a impropriedade do Congresso aprovar a toque de caixa um aumento de 62% para deputados e senadores, com seu efeito cascata, e aumentos ainda maiores para a Presidente da República e ministros, enquanto não permite aumento real para o salário mínimo. Se este recebesse também o índice de reajuste de 62%, chegaria a R$ 826,20.

7) Neste embate, e também em vários outros (tais como os relacionados às verbas da saúde, educação, etc.) poucos apontam a verdadeira razão pela qual os gastos sociais não podem ser aumentados: a destinação da maior parte do Orçamento para o pagamento da dívida pública.

Em 2010, nada menos que 44% do Orçamento (R$ 635 bilhões) foram destinados para o pagamento de juros, amortizações e o chamado “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos. Por outro lado, gastos sociais fundamentais responderam por parcelas dezenas de vezes menores, tais como a educação (2,89%), saúde (3,91%) e reforma agrária (0,16%).

Dos gastos com a dívida, 58% se deveram ao chamado “refinanciamento”. Muitos analistas alegam que ele não deveria ser considerado, pois representaria somente a troca de títulos antigos por novos, sem haver um dispêndio de recursos. Porém, a “rolagem” obriga o Tesouro a pedir empréstimos de dezenas de bilhões de reais, todo mês, a bancos nacionais, transnacionais e fundos de investimentos, para pagar as dívidas que estão vencendo. Os grandes rentistas se aproveitam disso para promover uma chantagem diária contra o governo: a qualquer rumor de alteração na política econômica (por exemplo, redução do superávit primário, controle sobre o fluxo de capitais financeiros, redução nas taxas de juros, etc), imediatamente o “mercado” exige taxas de juros mais altas para rolar a dívida. Investigações da CPI da Dívida recentemente concluída na Câmara dos Deputados constataram que parte dos juros são contabilizados dentro do “refinanciamento”. Requerimento de Informações do Dep. Ivan Valente (PSOL/SP), proponente da CPI, solicitando ao governo os montantes efetivamente gastos com juros, não foram respondidos pelo Ministério da Fazenda nem pelo Banco Central.

8) O primeiro passo para o enfrentamento do problema da dívida pública – que impede o atendimento das urgentes necessidades sociais no país – é uma ampla e profunda auditoria, prevista no Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 e jamais realizada. A CPI constatou diversos e graves indícios de ilegalidades do endividamento. Alguns destes indícios são a aplicação de juros sobre juros (já julgada ilegal pelo STF) e a realização de reuniões entre o Banco Central e representantes dos rentistas da dívida pública para estimar variáveis como inflação, crescimento e juros. Posteriormente estas “análises” são utilizadas pelo próprio COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na definição das taxas de juros, beneficiando esses “consultores” do capital financeiro.

Recentemente, o Equador mostrou a viabilidade de se auditar a dívida pública, enfrentando o “todo-poderoso mercado”: seu governo instituiu, em 2007, a Comisión para la Auditoría Integral del Credito Publico (CAIC), que contou com a participação de entidades da sociedade civil nacional e internacional. Diversas ilegalidades do endividamento foram documentadas, o que embasou a decisão soberana do governo equatoriano, em 2009, de anular 70% da dívida externa com os bancos privados internacionais.

Ficou assim demonstrada a viabilidade de se anular grande parte da dívida com base em uma auditoria, sem que tenha havido qualquer crise, contrariando os argumentos neoliberais.

9) Com a palavra, por fim, o economista Afrânio Boppré, dirigente nacional do PSOL:

“Salário nunca foi uma definição técnica e sim resultado da correlação de forças entre capital e trabalho. Portanto, salário tem na política sua definição. Um entrave técnico-político para aumentar o salário mínimo está no fato de haver uma vinculação entre salário de mercado de trabalho e piso da seguridade/assistência social. Argumenta-se que aumentando o salário mínimo para o piso da seguridade/assistência estouraria o equilíbrio de suas contas. No entanto, com vontade política pode-se desvincular parcialmente esta trava, mudando a política econômica: que os vultosos recursos para o pagamento da dívida pública sejam drenados para ajustar posições de desequilíbrio em suas contas. Pagar a dívida pública gerando dívida social é uma opção meramente política, como alertou até o moderadíssimo Tancredo Neves.

Uma política substantiva para o salário mínimo deveria levar em consideração as seguintes iniciativas, para conferir-lhe função de mudança social real: a) salário mínimo voltado ao mercado de trabalho; b) reajuste semestral para preservar o seu poder de compra contra a inflação; c) aumento anual de acordo com a evolução do PIB (variação da riqueza nacional); d) aceleração da recuperação das perdas históricas com aumentos periódicos em torno de 5% a 10% ao ano; e) criação de uma política de transição para piso da seguridade/assistência.”

10) A economia brasileira ampliou a sua capacidade de produzir riqueza. Não só o Brasil está muito mais urbanizado e industrial em relação aos anos 50 como a forma de produzir a riqueza também mudou significativamente. Novos aportes tecnológicos chegaram na indústria, nos serviços e na área rural. Mas não houve distribuição e avanços correspondentes nos ganhos do salário do trabalhador. Nosso pressuposto é que nossa economia comporta folgadamente uma melhor remuneração de seus assalariados. Sindicatos fortes e independentes, sociedade disposta a lutar pela igualdade social e estrutura jurídica menos submetida aos interesses do capital são a base para a reversão da situação. Se quisermos justiça social, precisamos de coragem política e ousadia para enfrentar a ditadura do capital financeiro e dos lucros extraordinários.

[Pronunciamento de Chico Alencar, líder do PSOL na Câmara dos Deputados]
publicado: Fundação Lauro Campos

Uma resposta para “”

  1. Hola quisiera saber cuál es esactamente la metodología para obtener el salario necesario que publica le DIEESE, ya que, si bien es cierto que resulta ser mayor que el salario establecido y además se basa en lo establecido por la constitución, no está registrada la metodología que siguieron para obtenerlo. Por otro lado, quién es quien finalmente establece el salario mínimo? Tengo entendido que el DIEESE registró que dentro del Mandato de Lula el salario estaría por encima de la inflación.
    Gracias.

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