Brasil, potência mundial da desigualdade

por Fernando Carneiro (*)
Diz o dito popular: uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade. Pois bem, em política isso parece ser mais verdadeiro ainda. Desde o governo Lula, o Brasil busca projeção mundial. Integrante do bloco de países emergentes, o BRICS, que além do Brasil envolve Rússia, Índia, China e agora África do Sul, o governo brasileiro está fazendo um sem número de articulações visando concretizar o sonho lulista de integrar o Conselho de Segurança da ONU. Como se isso tivesse o condão de, automaticamente, nos transformar em país de primeiro mundo, mas infelizmente ser um país “desenvolvido” (mesmo para os padrões capitalistas) requer mais, muito mais.
Lula se jacta de ter emprestado dinheiro ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e de ter pago a dívida externa. Dilma se regozija de o Brasil ser a 7ª economia do mundo e embarcou de corpo e alma na empreitada de integrar co Conselho de Segurança da ONU. Segundo dados recentes o Brasil, já em 2009, mandou dinheiro para países pobres numa proporção maior do que recebeu. Em uma palavra “doamos” mais do que recebemos via agências multilaterais.
O governo se orgulha de termos algumas das maiores hidrelétricas do mundo, de termos tecnologia de ponta na prospecção de petróleo, dos números estratosféricos da exploração mineral, entre outros indicadores primeiro-mundistas. Tudo para projetar o Brasil no mundo.
Aqui há que se reconhecer que uma parcela do povo, profundamente apaixonada pelo nosso país, se deixa seduzir por esse discurso de exaltação nacional. Queremos ser um país grande, desenvolvido e com projeção mundial. E esse é um desejo legítimo. O governo, sabedor disso, usa esse sentimento para obter dividendos políticos. A megalomania tem profundas motivações políticas.
Hoje o Brasil estabeleceu relações de “cooperação técnica” com diversos países da África e da América Latina. Só no ano passado mais de 600 contratos de cooperação foram firmados, metade deles na África. O montante chega a U$ 70 milhões entre 2003 e 2010. EMBRAPA, Fundação Oswaldo Cruz e SENAI estão na linha de frente das “cooperações”. Há inclusive um órgão no Itamaraty para gerenciar esses contatos, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Mas o que há por trás dessa “caridade governamental”? Ajuda humanitária? Vejamos.
O projeto mais arrojado da ABC (e o mais caro também) é em Moçambique, na África, onde está prevista a implantação de uma fábrica pública de medicamentos genéricos para o combate à AIDS. Os investimentos brasileiros somam mais de R$ 15 milhões e a fábrica deve começar a funcionar ainda este ano. Aparentemente uma ação humanitária. Mas ao aprofundarmos um pouco mais a análise veremos motivações bem menos nobres. Não por coincidência a mineradora VALE tem interesses estratégicos em Moçambique. É lá, em Moatize, que foi descoberta uma fabulosa jazida de carvão mineral, possivelmente a maior do mundo. O governo brasileiro firmou a cooperação em 2003. No ano seguinte a VALE firmou contrato de exploração do carvão, que pode chegar a extrair 40 milhões de toneladas métricas por ano. Aliás, a VALE demonstrou bondade extrema ao “doar” U$ 4,5 milhões ao projeto de construção da fábrica de medicamentos de combate à AIDS. O presidente da VALE à época chegou a afirmar que “O governo (de Moçambique) nos apoiou e todos os ministérios estão cooperando conosco”. Fica evidente que a ajuda “humanitária” não passa de um rentável negócio, uma negociata em que o governo abre as portas para as empresas brasileiras no exterior. Na recente missão à China Dilma levou na mala nada menos que 300 empresários, ansiosos por abocanhar mais uma fatia do mercado mais dinâmico do mundo.
Uma tese amplamente difundida hoje no Brasil é que o desenvolvimento vai eliminar a pobreza. Os mais velhos hão de lembrar da receita de Delfim Neto, ministro da ditadura militar, de que era preciso fazer “o bolo crescer para depois reparti-lo”. Bem o “bolo” cresceu e o povo não ficou nem com as migalhas.
Basta uma consulta aos indicadores sociais para que tenhamos um retrato da extrema contradição a que está submetido o Brasil. De um lado o otimismo do empresariado e do governo, do outra a real condição da população brasileira. Somos a 7ª economia do mundo, mas ao mesmo tempo temos o 3º pior nível de desigualdade de renda do mundo (dados do Pnud – ONU/2010). Enquanto o governo usa dinheiro público para abrir as portas para o empresariado brasileiro mundo afora, permanece o baixíssimo investimento em políticas públicas reais. Os números do BNDES de 2009 mostram que o Brasil direcionou 2% do PIB para investimentos públicos. A China investiu 20,55% e a média dos 135 países estudados pelo FMI é de 7,6%. Os maiores programas governamentais de transferência de renda, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, juntos, representam menos de 1% do PIB.
Para piorar o governo continua pagando uma dívida pública impagável. Em 2009 pagamos R$ 380 bilhões (R$ 169 bilhões só de juros). Nada menos que 5,7 vezes o orçamento anual para a Saúde. Em 1995 a dívida era R$ 60 bilhões. Em 2009 pulou para R$ 2 trilhões, embora tenhamos pago, neste mesmo período, a bagatela de R$ 1 trilhão. Ou seja, quanto mais pagamos, mais a dívida aumenta.
Integrar o Conselho de Segurança da ONU pode satisfazer as aspirações políticas de Lula e Dilma, mas não alimentará o povo brasileiro nem eliminará as desigualdades sociais. Mentir que somos quase de primeiro mundo não convence nem a que conta a mentira.

Fernando Carneiro é historiador e membro da direção estadual do PSOL/PA

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