Política de Volta às Ruas

[Edson Miagusko]

As ruas tornam a disputa pelos sentidos da política no Brasil muito mais imprevisível.
As ruas tornam a disputa pelos sentidos da política no Brasil muito mais imprevisível.

As mobilizações são um espelho partido em cacos que não se juntam. São frutos do descontentamento difuso com a política, com os governos de todos os partidos, com as condições dos serviços públicos, a corrupção, a violência, dentre várias pautas.
O descontentamento político é o principal motor das mobilizações, pautadas inicialmente pela questão das tarifas de ônibus. Com o crescimento das manifestações as pautas passaram a ser mais diversificadas e contraditórias, o que tem levado a uma intensa disputa por seus rumos.
O descontentamento atinge todos os partidos porque estes se comportaram nos últimos anos como facções para ampliar seu controle sobre o Estado. Partidos, é claro, disputam poder. Mas, nessa disputa precisam procurar encarnar uma proposta universal. Nos últimos anos nenhum partido conseguiu aos olhos dos manifestantes encarnar esse projeto.
Não há um golpe em curso. Pode até haver vontade, mas não há condições e nem forças sociais capazes de desencadear esse processo.
Há milhões que afluem pela primeira vez a qualquer tipo de manifestação. Em boa parte dos casos não têm um repertório político claro e até rejeitam as formas de organização tradicionais. Isso não é estranho. Podemos estar a ver um novo repertório político nas manifestações que diferem substancialmente das formas anteriormente conhecidas.
Há um corte geracional nas manifestações. A geração que protesta hoje é bem diferente. É menos engajada em coletivos políticos na forma que conhecíamos antes. E tem um sentido mais individual, o que não significa necessariamente individualista. Mas, não significa que esteja completamente desatenta ao mundo. De certo modo, essa mobilização mostra o quanto essa juventude é antenada, tem causas e se mobiliza fortemente.
É um erro imaginar que indivíduos que rejeitam partidos, que cantam “sem partido”, sejam massa de direita. É claro que nas ruas (e também nas redes sociais) todas as posições se exacerbam e são hiperbolizadas. Mas, os indivíduos que se proclamam “sem partido” parecem mais os indignados com as condições atuais a partir do senso comum, que uma massa conservadora. É claro que a direita, a grande mídia, etc, disputam os sentidos e os rumos das mobilizações e que há uma direita social organizada e truculenta que disputa rumos. Mas, não vejo nenhuma novidade, sobretudo na intensa disputa em manifestações sem lideranças e organizações. Aliás, seria o caso de perguntar se estas não seriam as primeiras mobilizações de um novo ciclo no Brasil. Ainda é cedo para afirmar, mas há um componente que se já estava presente em outras situações, nunca se apresentou com a intensidade de agora.
Seria um equívoco sair das ruas por se acreditar que as manifestações têm um conteúdo de direita pelos conflitos com os partidos e militantes de esquerda.
As ruas tornam a disputa pelos sentidos da política no Brasil muito mais imprevisível. Mas, é ótimo que seja assim. Há muito tempo a política havia saído da rua em nosso país, ao contrário de outras partes do mundo. Direita e esquerda pareciam diferenças que eram acionadas só em momentos eleitorais. Na gestão do Estado as diferenças eram minimizadas e substituídas pela ideia do bom governo. E daí decorria o terrorismo do possível. É ótimo que o bom debate e a luta tenham retornado entre nós. As ruas depois de anos voltaram a fazer parte da política.
Por fim, a preocupação de alguém de esquerda, no qual me incluo, é o que resultará das manifestações. E é sincero que muitos militantes estejam assustados com os riscos. Mas, entendo que o maior risco é deixá-las sem nenhuma disputa.
O que mais me chamou a atenção nesses dias é que pela primeira vez na história aconteceu o impossível: num dia de jogo da seleção brasileira, os brasileiros discutiram política como discutem futebol.

Por: Edson Miagusko – Doutor em Sociologia/USP e Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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