Por um sistema público de ensino de qualidade social com valorização profissional

por Edmilson Brito Rodrigues
Professor da SEDUC e da UFRA,
Arquiteto, Lic. Pleno em Construção Civil,
Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pela UFPa,
Doutorando em Geografia Humana pela USP
Presidente fundador do Sintepp.

Parte-se aqui do pressuposto que reconhecemos a existência de um sistema público de ensino que, todavia, não atende ao objetivo de qualidade social com valorização profissional. Significa dizer que a qualidade do sistema de ensino atual não proporciona a igualdade substantiva entre todos – prevalece, então, a máxima popular de que o sistema torna alguns seres humanos “mais iguais do que outros”, a despeito de todos serem iguais perante a lei magna do país e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Significa dizer, também, que esse sistema cuja qualidade (ou falta dela) é produtora de desigualdade substantiva tem, no constrangimento à dignidade dos trabalhadores em educação, uma das manifestações mais concretas de desequalização social e espacial, haja vista que os lugares do território denotam, através dos déficits de políticas para o acesso ao conhecimento, uma das faces da fragmentação inerente à pretensa homogeneição que a ideologia da globalização sugere. Isto posto, pode-se afirmar que a velha palavra de ordem – Por um sistema público de ensino de qualidade social e valorização profissional – continua válida. O fato de ainda ser válida, mesmo que reconhecidamente velha, evoca-nos a refletir o por quê. Compreender a realidade concreta da educação no contexto do mundo contemporâneo e as causas estruturais da produção da desigualdade sócio-educacional é condição imprescindível para afirmarmos a disposição de lutar para a transformação dessa realidade, como também, de aperfeiçoar nossos instrumentos de luta.
Se colocamos em questão o sistema público de ensino, então é procedente que comecemos por uma reflexão sobre o significado de sistema. É possível, sintetizá-lo como sendo um conjunto de elementos dinâmicamente interconectados, de modo a formar um todo organizado e portador de um objetivo geral a ser atingido, o que pressupõe projeto, logo, uma práxis. Nessa perspectiva, o objetivo de um sistema público de ensino de qualidade social com valorização profissional está plenamente justificado do ponto de vista conceitual. Contudo, somente a integração dos elementos que compõem um sistema pode garantir o que podemos definir como sinergia, ou seja, um processo que permite demonstrar o modo de interrelação e integração entre as diversas partes, elementos, aspectos ou dimensões do todo. A análise da sinergia de um determinado sistema permite perceber que as transformações ocorridas em uma das partes influenciará todas as outras, o que é essencial para a consecussão do objetivo projetado. O problema está no fato de o pensamento conservador – que na globalização atual ficou conhecido como “pensamento único” – tender sempre a achar que as partes por si só constituem sistemas capazes de explicar o todo e que as mudanças parciais são suficientes para a melhoria do conjunto das partes. Com isso, inviabiliza a apreensão das determinações que a sociedade – o modo de produção capitalista – exerce sobre todos os territórios, todos os lugares e todas as dimensões da vida; processo que, longe de homogeneizar o mundo o tem tornado mais fragmentado, porque é diferenciado em cada lugar e pelo lugar.
O pensamento único tem orientado muitos estudiosos, governantes e mesmo sindicalistas a adotarem sua concepção de sistema educacional. Estes inspiram-se, consciente ou inconscientemente, em uma propriedade da fisiologia, a homeostase que implica no esforço de manter a estabilidade do meio interno, mesmo diante de mudanças no meio externo. Ora, esse esforço, apesar de considerar o caráter dinâmico desse equilíbrio, abstrai a totalidade como elemento determinante.
Como perseguir o objetivo da qualidade social com valorização profissional sem enfrentar com um projeto estratégico global os dilemas do sistema educacional (o que não significa desconsiderar a importância de projetos e conquistas parciais)? Como avançar na consecussão desse projeto global sem aceber Sistema como uma totalidade dinamica?
Para o pensamento conservador e fragmentado não está posto o objetivo da qualidade social. Qualidade social pressupõe uma visão de mundo que conceba a Educação como um bem social; um direito de todos e obrigação exclusiva do Estado. Pressupõe, portanto, uma concepção socialista de mundo e de educação. Para os agentes do capital a qualidade que interessa é a ideologia da “Qualidade Total”. Este conceito, muito em voga em nosso meio, é parte da nomenclatura empresarial ditada pelas agências multilaterais da ONU (Banco Mundial, FMI, OMC, etc.). A “qualidade total” é a medida da satisfação do cliente, de todos os “stakeholders” (entidades ou partes interessadas) e também da excelência organizacional da empresa. Um sistema público de ensino baseado na educação como um bem social e não como um bem mercantil, não admite políticas que tratem cidadãos como clientes, para os quais apenas se podem vender mercadorias ou serviços. Qualidade total seria, então, o “[…] estado ótimo de eficiência e eficácia na ação de todos os elementos que constituem a existência da Empresa” (QUALIDADE…, 2009) que, por isso, deve ter sua organização modelada – modelo referencial para a qualidade total (MRQT) – de maneira a adequá-la ao contexto no qual está inserida, ou seja, na dinâmica geral do modo de produção (e consumo) capitalista.
Ora, não podemos balizar nossas ações pelos princípios dessa ideologia. É importante atentar ao alerta de Milton Santos, segundo o qual a
[…] globalização atual é muito menos um produto das idéias atualmente possíveis e, muito mais, o resultado de uma ideologia restritiva adrede estabelecida. Já vimos que todas as realizações atuais, oriundas de ações hegemônicas, têm como base construções intelectuais fabricadas antes mesmo da fabricação das coisas e das decisões de agir. A intelectualização da vida social, recentemente alcançada, vem acompanhada de uma forte ideologização. (2000, p. 159).
István Mészáros dá importante contribuição à análise do sistema do capital, sua crise estrutural e à compreensão da Educação nesse contexto, orientando a uma práxis necessariamente otimista. Ao observar que o capitalismo é um sistema economicamente articulado mundialmente, mostra que isso contribui para a erosão e desintegração de estruturas tradicionais de controle social e político, diversificada pelos lugares. Afirma que
[…] sem ser capaz de produzir um sistema unificado de controle em escala mundial (Enquanto prevalece o poder do capital, o ‘governo mundial’ está fadado a permanecer um devaneio futurológico) a ‘crise de hegemonia ou do Estado em todas as esferas’ (Gramsci) tornou-se um fenômeno verdadeiramente internacional (MÉSZÁROS, 2009a, p. 55).
Isso porque o multifacetado poder do capital não consegue se expandir apesar de ser ainda muito forte, como todos nós sabemos. Essa sua incapacidade de promover uma racionalidade abrangente explica-se pelo fato de sua racionalidade operar no estreito interesse individual, da guerra de todos contra todos. “O capitalismo e a racionalidade do planejamento social abrangente são radicalmente incompatíveis (ibidem, p. 58) devido ao que Marx denominava de anarquia da produção capitalista.
Isso explica, em grande medida, a tendência percebida por Milton Santos à dissolução das ideologias que se puseram como verdades únicas, como pensamento único. Mas o discurso da globalização, observa, alicerça as
[…] ações hegemônicas dos Estados, das empresas e das instituições internacionais, o papel dos objetos que nos rodeiam contribuem, juntos, para agravar essa sensação de que agora não há outro futuro senão aquele que nos virá como um presente ampliado e não como outra coisa. Daí a pesada onda de conformismo e inação que caracteriza nosso tempo, contaminando os jovens e, até mesmo, uma densa camada de intelectuais (ibidem).

As instituições sociais inerentes à sociedade atual estão, permanentemente, em interação e articulação sistêmicas. Não é possível ter esperança em sucessos parciais isolados, mas somente como partes de um projeto global. Para Mészáros “[…] o critério crucial para a avaliação de medidas parciais é se são ou não capazes de operar como ‘pontos de Arquimedes’ , ou seja, como alavancas estratégicas para uma reestruturação radical do sistema global de controle social.
É claro que esta é a perspectiva do SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública do Pará (não tenho a mesma certeza, no contexto atual, quanto à CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Está claro, também, que essa não é a perspectiva da maior autoridade institucional da educação do país. Em artigo publicado na Folha de São Paulo Fernando Haddad (22/11/2009), Ministro da Educação, proclamou:

Uma boa maneira de julgar a atuação de um governante, numa área específica é avaliar as mudanças constitucionais avalizadas por sua base de sustentação, sem a qual é impossível aprovar uma emenda constitucional, com ou sem apoio da oposição.

Entenderam? O ministro quis dizer que deve ser bem avaliada sua performance ministerial porque a base de sustentação do governo e a oposição avalizaram sua política e até mudaram a Constituição Federal no respeitante à educação. Refere-se, mais especificamente, aos remendos à Constituição expressos nas Emendas 53 e 59. Entre outras professadas positividades dessas mudanças ressalta: a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos; o fim da DRU (Desvinculação de Receita da União); a obrigatoriedade do estabelecimento de metas de aplicação de recursos públicos em educação, além do estabelecimento do Piso Salarial a partir de 1 de janeiro de 2010. O ministro avalia que “[…] as novas gerações […] hão de notar o sentido progressista em que foi reescrito o capítulo consagrado à educação na nossa lei maior.” (ibidem).
A despeito da podridão das instituições do Estado brasileiro – todas elas –, dominadas que estão pelos vorazes interesses da proclamada “base de sustentação” no período contemporâneo, a sociedade se move, pressiona por conquistas e as tem viabilizado ao longo da história. Porém, é muito reducionismo acreditar que um governante e sua política devam ser bem avaliados apenas pelo que ele próprio considera “um sentido progressista” de dispositivos constitucionais, em um país que é caracterizado historicamente pelo desprezo às leis, quando essas, claro, tem algum caráter popular. Não é o caso de enumerar aqui muitos exemplos, mas, o não cumprimento do salário mínimo constitucionalmente estabelecido (que, segundo o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, deveria estar na ordem de R$ 2.139,06 [DIÁRIO DO PARÁ, 03/12/2009]); as milhões de crianças que permanecem fora da escola e que são levadas a freqüentar as ruas, submetidas à prostituição, ao mundo das drogas; a violência das enormes jornadas somadas aos baixos salários e péssimas condições ambientais que envolvem os professores e demais trabalhadores em educação etc., são suficientes para entender que o objetivo de conquistar um Sistema Público de Ensino de Qualidade Social com Valorização Profissional exige um esforço de planejamento e ação estratégicos por parte dos que vivem do trabalho que implique, como propõe István Mészáros (2009) um projeto global de “Educação para além do capital”, haja vista que, o sistema do capital é irreformável; sua natureza como totalidade reguladora sistêmica é incorrigível.
Há uma enorme diferença entre a lei e sua aplicação, entre orçamento e execução orçamentária; entre o que a lei autoriza investir e o que é realmente aplicado em educação. Luiz Araújo (16/11/2009), analisando a execução orçamentária do Ministério da Educação mostra bem essa contradição e sua repercussão quanto ao Programa Qualidade na Escola tipo pelo governo como pilar do PDE. O orçamento prevê um gasto de 1, 960 milhão de reais, mas até o dia 12/11apenas 135 mil reais, 6,9%, haviam sido executados. Dos 53 milhões autorizados para a ação “Apoio à Capacitação e Formação Inicial e Continuada de Professores e Profissionais da Educação Básica” apenas 3,2 milhões (6,1%) foram realmente disponibilizados; “Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica”, 6,4%, ou 56 milhões de reais foram gastos do total de 876 milhões previstos; para a reestruturação da rede física da educação básica estão alocados 441 milhões, mas 8,2 milhões, 1,9%, foram executados.
Os burocratas de plantão acharão culpados fora de suas hostes – municípios inadimplentes, faltas de projetos, lentidão das licitações etc. -, contudo, nada justifica que apenas 30,3% dos recursos do Orçamento Geral da União alocados para o MEC tenham sido emprenhados a um mês do final do ano.
Outra importante questão diz respeito à expectativa quanto ao Piso Salarial dos professores. Considerando-se a correção de 7,9% feita no valor revisado de custo-aluno em 2009 e mais 18,2% em 2010, anunciado pelo MEC, então o piso salarial alcançaria R$ 1.211,61; se, contudo, forem considerados apenas os 18,2% , o valor seria de R$ 1.122,90. A Advocacia Geral da União tende a consolidar esta hipótese (ARAÚJO, 11/11/2009). Vale dizer que o artigo 5º da Lei 11.738/ 2008 que definiu a obrigatoriedade de um piso nacional, aquela altura na ordem de R$ 950,00 obriga atualizá-lo pela variação do custo por aluno/ano do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação). Assim sendo, a primeira e não a segunda opção deveria ser adotada, o que ainda assim é muito depreciativo e insuficiente para garantir dignidade profissional à categoria de trabalhadores em educação que, se não é mais digna do as demais é, contudo, a de maior importância para a produção consciente do futuro igualitário, justo e liberto da exploração e de todas as formas de opressão.
A exclusão da educação da DRU, referida pelo ministro merece ser comentada. Essa emenda, em tese, pode viabilizar uma aproximação maior entre o orçado e o executado. Apenas em tese, haja vista que a lei orçamentária, conforme a própria Constituição Federal determina, é uma peça apenas autorizativa, podendo o governo contingenciar parte dela a fim de cumprir seus compromissos junto ao sistema financeiro internacional ou outros compromissos menos explícitos. Ao excluir os recursos educacionais dos efeitos da DRU e prever a expansão da obrigatoriedade do ensino para a faixa etária de quatro a dezessete anos, cria mais um objeto de pressão política da sociedade em geral e dos educadores em particular em favor do cumprimento da lei. ‘E assim que essa norma – essa possibilidade de conquista – deve ser vista, como mais um elemento de mobilização social e luta.
A luta Por um Sistema Público de Ensino de Qualidade Social com Valorização Profissional pretendido pelo Sintepp e pela maioria da sociedade, contudo, não é fácil. O motivo maior é a alienação a que todos, inclusive os educadores, estão submetidos no mundo do capital. São várias as formas de alienação inerentes ao processo de submissão dos seres humanos ao capital. A essência de todas essas formas alienadoras está no fato de esse sistema tratar como mercadoria tudo e todos, inclusive os humanos. Não interessa ao capital considerar mesmo as necessidades humanas básicas; sua racionalidade é movida e move, cotidianamente, como observam Sérgio Lessa e Ivo Tonet, por suas ideações prévias segundo as quais o que importa é o lucro; se, para isso, a fome, a ignorância, a falta de casas e de assistência médica tiverem que ser mantidas em função da acumulação de capital, assim será; se, para esse objetivo, “[…] é necessário levar a humanidade à catástrofe nuclear, produzindo reatores e bombas atômicas, ou ainda, destruir a natureza e romper o equilíbrio ecológico, tudo isso será feito em nome do capital e em detrimento das necessidades humanas (LESSA e TONET, 2008, p. 100), essa lógica, contudo não prevalecerá porque há resistências e contra-hegemônicas, que são, ao mesmo tempo, tomada de consciência e produção de um pensamento não alienado. Tem razão esses autores ao afirmarem que o projeto de manutenção da ordem atual é impulsionado “[…] apenas pelo objetivo da acumulação privada do capital, tanto no plano individual quanto no plano global da sociedade capitalista” (2008, p. 103).
Retornemos a Mészáros para corroborar com a idéia de que não se pode limitar nosso projeto de sistema de ensino, logo, de mudança educacional radical, às franjas interesseiras do capital que aceita apenas remendos parciais, nunca mudanças estruturais. Isso significaria abandonar, de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo da transformação qualitativa da sociedade, logo, da educação. “[…] é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente” (2009b, p. 27).
O sentido da mudança educacional hoje, que avança na contribuição ao objetivo de um sistema público de ensino de qualidade social com valorização profissional exige de nós disposição de remar contra a maré, contra o senso comum que não consegue perceber que, apesar da psicoesfera favorável ao sistema que se tenta perpetrar no Brasil e no mundo, vai-se constituindo associada a ela uma tecnoesfera que, em nome do desenvolvimento, reconfigura o território e o normatiza para torná-lo funcional aos usos do capital transnacional, em detrimento da nação e da maioria do povo. A violência, a que se vê no desemprego, na miséria, na prostituição infantil, nos alunos drogaditas, na agressão intra-escolar entre alunos e para com os professores e demais trabalhadores; mas aquela que, sutil, agride moralmente e perpetra preconceitos, humilha, subjulga, deprecia a dignidade humana, todas essas formas, não são inocentes, são intencionais, são necessárias ao funcionamento do sistema do capital. Concordando-se que essa lógica perversa é icorrigível, então devemos “[…] perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados e que tenham o mesmo espírito.” (ibidem, p. 35). Sim, porque além das violências funcionais derivadas há a violência estrutural. Esta está na base mesma da produção das demais formas de violência, por isso, constitui-se em central, em original. A

[…] estrutural resulta da presença e das manifestações conjuntas, nessa era da globalização, do dinheiro em estado puro, da competitividade em estado puro e da potência em estado puro, cuja associação conduz à emergência de novos totalitarismos e permite pensar que vivemos numa época de globalitarismo muito mais que de globalização […] consagrandeo, afinal, o fim da ética e o fim da política (SANTOS, idem).

Do ponto de vista financeiro, vale ressaltar, o sonho de uma educação de qualidade como bem social de qualidade acessível a todos é plenamente possível, desde que a racionalidade das políticas sejam outras que não a do capital. Vejamos: o MEC anuncia festivamente que o Brasil aplica cerca de 4,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação. Ora, a mesma política que afirma que há dinheiro suficiente na educação e que o problema está no mal gasto feito pelos Estados e Municípios (o que não é totalmente mentira, nem por isso torna verdade que os recursos sejam suficientes) não acha muito transferir ao sistema financeiro internacional mais de 30% do orçamento nacional. O Orçamento Geral da União dotou o MEC com cerca de 41,5 bilhões de reais em 2009. O ministro festejou na imprensa a aplicação de 5 bilhões no FUNDEB, comparando com os 2 bilhões aplicados em 2007, quando o fundo foi instituído.
Com base em um estudo do Deputado Ivan Valente – Dívida Pública: o gargalo do desenvolvimento do Brasil – comparemos os números da educação com os números da dívida pública para concluirmos que é cientificamente possível mudar radicalmente a educação brasileira se houver vontade política. Em janeiro de 1995 (início do governo de Fernando Henrique Cardoso) a dívida interna era de 61,8 bilhões de reais; em dezembro de 2002, final do segundo mandato, tinha alcançado 687,3 bilhões. Esta, nas palavras do presidente Luiz Inácio, foi uma herança maldita deixada pelo antecessor. Em janeiro de 2009 a dívida interna, segundo as fontes oficiais, alcançou um trilhão e seissentos e oitenta e dois bilhões de reais (R$ 1,682 trilhões). Enquanto isso, a dívida externa alcançou em janeiro deste ano 262,93 bilhões de dólares (cerca de R$ 500 bilhões). De 1995 a 2008 foram pagos R$ 906 bilhões com os juros da dívida e R$ 879 bilhões com amortizações das dívidas interna e externa públicas.
Somente em 2008, ano em que a educação contou com menos de 40 bilhões de reais no orçamento da União o Brasil (nós todos e todas) pagou R$ 110 bilhões de juros e R$ 172 bilhões com amortizações, perfazendo R$ 282 bilhões com os serviços da dívida (o que corresponde a exatos 30,57% de todos os recursos orçamentários da união nesse ano) em detrimento dos direitos sociais.
Esta breve análise da questao da dívida pública é providencial. Através das obrigações da dívida os governos incorporam a lógica da redução de recursos as áreas sociais, do sucateamento e privatização dos serviços públicos, do vilipêndio dos direitos dos servidores e agressão a sua dignidade profissional. A consequência disso é o aumento da miséria, do sofrimento da população que é usuária dos sistemas de educação, saúde, transporte, habitação precarizados. Os índices de desigualdade e a consequente explosão de violência social são manifestações dessa lógica.
Dito isso, atrevo-me, para concluir, propor que ao SINTEPP:
– trabalhar para influenciar socialmente na constituição de um projeto global de sistema de educação para além do capital;
– realizar o esforço de, ao tempo que se constrói com as forças vivas da sociedade esse projeto abrangente, elaborar um plano de ações imediatas que se constitua como alavanca desequilibradora do sistema e que possa se expressar em conquistas parciais, mas totalizantes;
– mais do que qualquer outra categoria profissional, trabalhar para exercer permanente reflexão crítica sobre a realidade social e educacional. Está em tempo de o Sintepp constituir uma espécie de Universidade Livre dos Trabalhadores em Educação para, sistematicamente, desenvolver processsos de formação política dos trabalhadores em educação e demais segmentos da comunidade escolar, com base científica, logo desalienante;
– O princípio de uma escola sem muros – uma escola porosa à sociedade –, como condição necessária ao sistema público de ensino de qualidade com valorização profissional, deve ter como par indissociável um Sindicato também poroso. Significa dizer, corporativo, mas não corporativista, capaz de perceber que o projeto de educação que almejamos, será fruto de uma luta a ser travada pelos e para além dos trabalhadores em educação. Pais, alunos, entidades da sociedade civil, conselhos tutelares, etc., devem estar inseridos entre os elementos imprescindíveis à realização da sinergia transformadora ao sitema pretendido;
– Escola e sindicato devem ser entendidos como lugares da resistência, como espaços do acontecer solidário, como espaços onde os “de baixo” projetam suas ações conjuntas para o uso popular do território brasileiro; como espaços de produção das contra-racionalidades, da contra-hegemonia;
– trabalhar, incessantemente, para reverter a dominação ideológica do capital;
– trabalhar programas, projetos e ações que portem o objetivo estratégico de constituição da igualdade substantiva, porque o capital sustenta-se na produção da desigualdade substantiva;
– trabalhar a concepção de educação como instrumento essencial para a instituição de formas organizacionalmente viáveis de solidariedade socialista.

Palestra proferida no XIX Congresso Estadual do SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública do Pará, realizado em outubro de 2009.

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