Belo Monte: a população local é apenas um detalhe

por Leonardo Sakamoto (*)

Cansei de ouvir intelectuais dito progressistas e autodenominados esclarecidos fazendo coro com parte da Esplanada dos Ministérios e do empresariado nacional e internacional ao pedir que o meio ambiente não seja um entrave para o crescimento. Como já disse aqui antes, fazem contas para mostrar que a vida de algumas centenas de famílias camponesas, ribeirinhas, quilombolas ou indígenas não pode se sobrepujar sobre o “interesse nacional”. Defendem a energia nuclear como panacéia. Taxam de “sabotagem sob influência estrangeira” a atuação de movimentos e entidades sérias que atuam para que o “progresso” não trague o país.

Valeria a pena pararem para refletir e perceber que o que chamam de “interesse nacional” é, na verdade, o interesse de parte da nação. Como a implantação de usinas hidrelétricas em regiões de mineração para abastecer a siderurgia de exportação. Antes de pensar em escala macroeconômica, é importante ver o que vai acontecer na realidade da população. E os casos que temos visto não são nada bons.

Recomendo a leitura do Relatório de Impacto Ambiental desses projetos. Há centenas de críticas à implantação da obra, prova-se que as conseqüências à população e ao meio serão imensas, que no longo prazo os empregos gerados não acompanharão o desemprego movido pelas desapropriações de terras. E, no final, vem a conclusão cara-de-pau recomendando o projeto apenas com uma meia dúzia de sugestões (como origamis de passarinhos, carrancas colocadas na curva do rio, festas juninas para alegrar o povo…) a fim de minimizar o impacto. E com um passivo ambiental que não atrapalha ninguém.

Este post não é para defender ONGs, bem pelo contrário. Tem um monte de organizações que agem de forma suspeita. Mas para perguntar: por que uma turma inteligente e esclarecida acha que o Centro-Sul brasileiro pilhar a Amazônia e o Cerrado é muito diferente do Centro mundial pilhar a Periferia? Os resultados são iguais e a história está aí para mostrar as tragédias causadas quando quem detinha o poder e disse representar a maioria subjugou as minorias. Sendo que, no Brasil, o que acontece com uma minoria em um vilarejo da Amazônia repete-se metonimicamente por todo o território. O problema é igual, mudam apenas os atores.

O desenvolvimento em curso na Amazônia privilegia apenas uma camada pequena da população. Os lucros advindos da implantação de grandes empreendimentos permanece concentrado na mão de poucos, enquanto o prejuízo é dividido por todos. Vale lembrar o exemplo de municípios como Coari (AM), rico em royalties do petróleo e derivados, mas com baixo índice de desenvolvimento humano.

Esse pragmatismo exacerbado, de que são necessários perder os peões para se ganhar uma partida de xadrez, é muito triste. Ainda mais quando vêm de pessoas que, desde a ditadura, lutam pela liberdade e a efetivação dos direitos. A batalha pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que o diga.

Trago um caso que já relatei aqui. Silas Rondeau, quando ministro das Minas Energia, diante das dificuldades de licenciamento ambiental das usinas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), afirmou, em 2007, que ou o Ibama liberava as obras ou o governo começaria a procurar outras fontes de energia como a térmica ou nuclear. Esse comportamento do tipo “ou libera o que quero ou consigo um jeito de atrapalhar ainda mais a sua vida” pode ser considerado em determinadas sociedade como chantagem. O interessante é que, na época, Rondeau não escolheu a energia eólica, a solar ou a proveniente da biomassa como opções, o que mostra o padrão de desenvolvimento que por aqui reina.

O Nordeste é considerado uma das melhores jazidas de vento do planeta, com potencial suficiente para gerar 10 mil megawatts de energia elétrica a partir de usinas eólicas – potência equivalente ao que é produzido pelas hidrelétricas da região, mas sem inundar grandes áreas ou lançar resíduos tóxicos na atmosfera. Ventos constantes, não existência de fortes rajadas (garantindo a estabilidade das grandes turbinas) e a pequena turbulência – desgastando menos os equipamentos que na Europa ou nos Estados Unidos. Hoje a produção nacional de energia por via eólica está em crescimento, o valor de produção do MWh eólico já é menor que o de termelétricas, mas tudo isso ainda é muito pouco. A hegemonia hidrelétrica de novos empreendimentos está longe de mudar (parênteses: não sou contra a energia hidrelétrica em qualquer circunstância, o problema é o rolo compressor de quem ignora que ela traz impactos profundos).

Ao mesmo tempo, devido a fatores como a proximidade com o Equador e o céu limpo, sem nuvens, o Semi-árido nordestino possui mais de 3 mil horas anuais de brilho do sol – estimativa comparável às dos desertos da Austrália e da África. O problema de estar entre os quatro maiores índices de insolação do mundo pode ser revertido em benefício do país se o governo começasse a investir na produção de energia solar. Isso sem falar na conversão do bagaço em eletricidade, através da adaptação das usinas de cana já existentes. Ou seja, aproveitar resíduos para gerar energia. Esse processo está em curso, mas a passos lentos.

Dei o exemplo do Nordeste pois é uma região em que o crescimento econômico se faz mais necessário. Mas a introdução de energia limpa pode ser feita em todo o país. Se a tecnologia ainda é mais cara que a hidrelétrica, ela certamente causará menos prejuízos às populações tradicionais do local do empreendimento ou ao meio ambiente.

Infelizmente, a população local é um custo barato comparado com o “progresso” do país.

Blog do Sakamoto

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre PONTO DE PAUTA - PARÁ

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading