É hora de avançar: a luta contra Belo Monte após a ocupação do canteiro de obras

[Adolfo Oliveira Neto]
 
“Direito não se negocia e nem se mitiga. Ou os respeita ou os viola”
(Sônia Magalhães)
 
No dia 27 de novembro completamos um mês da ocupação que os povos indígenas, ribeirinhos, agricultores, pescadores e demais movimentos sociais realizaram na rodovia Transamazônica, em frente à entrada de um dos canteiros de obras destinado à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, que fechou o canteiro por um dia e a rodovia por quinze horas.
O acampamento possibilitou que pela primeira vez a população local, nações indígenas, trabalhadores, intelectuais de diversas universidades e repórteres pudessem conhecer os impactos que em poucos meses foram feitos na floresta, no rio e no relevo regional onde se constrói a usina, que são muito superiores aos anunciados pelo Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM).
Foram grandes as lições aprendidas naquele dia histórico para a luta contra a usina, para os povos indígenas e para todas as populações que atualmente lutam contra as barragens que vem sendo impostas pelo Estado brasileiro em diversas unidades federativas. Aqui destacamos quatro destas lições: (a) a luta contra as barragens, em especial contra Belo Monte, é uma intervenção na geopolítica dos recursos naturais e no domínio do território, tendo características que nos permitem entendê-la como uma guerra geográfica; (b) na definição dos nossos inimigos e aliados, o judiciário não está no segundo grupo, mesmo que não esteja completamente no primeiro; (c) é fundamental fortalecer e ampliar a articulação já presente entre os movimentos sociais, organizando a crescente indignação da população local contra a usina e a Norte Energia S.A. (NESA); (d) a força que o protagonista indígena deu ao acampamento e o papel destes sujeitos no processo de resistência.
Antes do acampamento, já se havia certo que a luta contra Belo Monte é uma intervenção direta na geopolítica dos recursos naturais, buscando garantir que eles continuem a serviço da vida e buscando a sua democratização. Esta também é uma luta pelo território, memória, cultura e sociabilidade das nações indígenas e populações tradicionais da transamazônica e Xingu.
No entanto, a possibilidade de entrar no canteiro de obras possibilitou entender que as estratégias usadas pelo CCBM demarcam que existe em torno da obra uma guerra geográfica. Há sofisticados sistemas de comunicação e logística no canteiro interligando-o com os demais, construído a partir de um raciocínio geográfico que lhes permite rápida comunicação e transporte de materiais, pessoas, equipamentos e informações, o que aumenta o seu potencial de intervenção, dificulta o processo monitoramento das ações da empresa e de resistência à construção a partir de ações radicalizadas, como a construção de uma nova ocupação.
Se a guerra é geográfica, o movimento também deve assumir estratégias geográficas, além das tantas outras já utilizadas hoje, como impedir que a empresa utilize as áreas das comunidades para tirar água do rio ou para apoiar logisticamente as suas ações, monitorar as novas estradas construídas pelo CCBM e o trnasporte de materiais pelo rio.
Outra questão que ficou evidente no acampamento é que, mesmo não podendo considerar o judiciário um bloco monolítico, há uma hegemonia conservadora que o coloca ao lado dos nossos inimigos, como demonstra a diferença de tratamento que é dado às Ações Civis Públicas (ACP) impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) na tentativa de garantir os direitos dos povos originários e o respeito a constituição, e o tratamento que é dado às ações impetradas pela NESA. No caso do acampamento, foram poucas horas até que houvesse decisão favorável à NESA e a invenção de uma nova artimanha jurídica: a citação coletiva.
Cabe destacar que uma das principais características da ocupação foi a presença e articulação de um conjunto extremamente diversificado de sujeitos. Entre eles estavam as nações indígenas, pescadores, agricultores, moradores das comunidades próximas ao canteiro, pequenos fazendeiros que tiveram suas terras desapropriadas, estudantes, intelectuais, trabalhadores da cidade, desempregados indignados com o tratamento dado pela NESA à população dos municípios próximos e parlamentares ligados às causas populares.
Esta constatação mostra que a luta contra as barragens é ampla e diversa, sendo articulada em grandes frentes com alto poder de mobilização social e expressiva representatividade local, nacional e internacional, já que no mesmo momento em que permanecíamos acampados em frente ao canteiro de obras, multiplicaram-se os exemplos de solidariedade pelo Brasil e pelo mundo, como o do cacique caiapó Megaron Tchucaramãe, que acampou em frente à prefeitura de Colíder, no Mato Grosso, e que por sua ação foi sumariamente demitido da FUNAI.
Por fim, é necessário entendermos que É HORA DE AVANÇAR. Com a crescente indignação da população local e dos povos originários com os efeitos já sentidos devido à construção de Belo Monte, é urgente pensarmos novas ações para pressionar o judiciário para que interrompa a construção da usina, que hoje é absolutamente ilegal, e que exijam do governo brasileiro que abandone o projeto, garantindo o Xingu vivo para sempre, construindo um plano de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente responsável para a transamazônica e o Xingu e que garanta o direito territorial dos povos originários que a séculos nos ensinam alternativas de futuro, mesmo com a seguida brutalidade e ignorância que nós dispensamos a eles no convívio cotidiano.

Adolfo Oliveira Neto-Professor da Faculdade de Geografia e Cartografia da UFPA.

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