Maré de resistência | Indígenas mantêm ocupação na hidrelétrica de Belo Monte

[Otávio Rodrigues | Carolina de Oliveira]

Mesmo com perseguições políticas aos ativistas que defendem o Rio Xingu e a paralisação das obras de Belo Monte, cerca de 100 lideranças Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá e Juruna do Paquiçamba mantêm ocupado um dos sítios de Belo Monte desde quinta-feira (21). Os índios chegaram de surpresa por volta das 11h enquanto os trabalhadores da obra se retiravam em uma balsa. O local escolhido foi uma ensecadeira, espécie de barragem de terra, construída no sítio Pimental, local que fica a aproximadamente 50 quilômetros distantes da sede da obra em Altamira, no Pará.

“Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem que nossos barcos andem pelo rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as crianças banharem e beberem de sua água. Se fizerem a barragem, o rio vai ficar ruim, a água não vai mais ser boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos navegar? Diz um manifesto escrito pelos indígenas divulgado no sábado (23.06).

Histórico de ocupações

Esta não é a primeira vez que comunidades indígenas ocupam canteiros de construção de Belo Monte. No último dia 15, por ocasião do Encontro Xingu+23, evento paralelo ao Rio+20, os
manifestantes utilizando-se de pás, enxadas e picaretas chegaram a rasgar a ensecadeira para que o rio pudesse novamente seguir o seu curso.

No histórico de ocupações, em 27 de outubro do ano passado, um dos canteiros da usina também foi ocupado e a Rodovia Transamazônica Km 50 em Vitória do Xingu/PA, bloqueada por lideranças indígenas e ativistas do movimento Xingu Vivo quando ocorria o Seminário Mundial em Altamira para discutir os impactos da usina.

Desta vez os manifestantes confiscaram chaves de tratores, carros e equipamentos de rádio. Eles querem a paralisação da obra de construção da hidrelétrica por considerar que a construção da usina prejudica o curso do rio Xingu. Os índios alegam que estão sendo violados em seus direitos e exigem a presença de um representante do governo federal para negociar a desocupação da ensecadeira.

Belo Monte de problemas

O projeto Belo Monte tem grande oposição das comunidades locais e de ambientalistas que consideram que os impactos para o meio ambiente e para as comunidades tradicionais da região, como indígenas e ribeirinhos, serão irreversíveis.

A obra também enfrenta críticas do Ministério Público Federal do Pará que alega que as compensações ofertadas para os afetados pela obra não estão sendo feitas de forma devida, o que pode gerar um problema social na região do Xingu.

Esta semana, várias entidades vinculadas a movimentos sociais denunciaram também a farsa montada pelo CCBM e a NESA, com o apoio das autoridades policiais de Altamira, para transformar ativistas ambientais e dos direitos humanos em criminosos comuns.

“Crime em um país como o nosso é o BNDES disponibilizar 30 bilhões de reais para uma obra criminosa, e o governo se recusar a conversar com os povos indígenas”, afirmam em nota pública.

Segue abaixo um Manifesto escrito pelos próprios Xikrin, e uma nota sobre a “ocupação” em um dos canteiros da hidrelétrica “Belo Monte”.

MANIFESTO DOS XIKRIN DO BACAJÁ
Texto produzido pelos homens 
reunidos na aldeia do Bacajá, Terra Indígena Trincheira-Bacajá, 
com assessoria na tradução da antropóloga Clarice Cohn.
 
“Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem que nossos barcos andem pelo rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as crianças banharem e beberem de sua água. Se fizerem a barragem o rio vai ficar ruim, a água não vai mais ser boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos navegar?

Deixem o rio correr para a gente ir para o mato caçar para nossos filhos e netos comerem, para que no rio que corre bem a gente pesque, saia cedo para pescar para nossas crianças comerem.

Nossos Estudos mal foram completados e vocês estão falando da barragem, não gostamos disso. O PBA nem saiu e vocês já estão começando a fazer a barragem, não gostamos disso. Nós queremos que a barragem de Belo Monte pare de vez!”
 
Otávio Rodrigues | Carolina de Oliveira – Da redação do Ponto de Pauta.
Foto: por Marcelo Salazar

ÍNDIOS DA REGIÃO DE ALTAMIRA OCUPAM BARRAGEM DE BELO MONTE
Quem quiser apoiar esta iniciativa ou conhecê-la melhor, 
pode entrar em contato com Ngrenhdjan Xikrin [Rafaela] 
pelo email xikrin@hotmail.com

“Desde ontem, quinta 21/06/2012, os índios atingidos pela Hidrelétrica de Belo Monte ocupam um terreno de construção da Barragem. Eles decidiram pela ocupação para manifestar sua insatisfação com o desrespeito de seus direitos e o não-cumprimento das condicionantes, em especial aquelas relativas aos indígenas. Com organização própria e contando apenas com seus recursos, eles ocuparam uma ensecadeira que está sendo construída no Sítio Pimental que visa permitir a construção da obra. A manifestação é pacífica, e eles exigem a presença de representantes do governo e da Norte Energia Sociedade Anônima.

Ontem, os Xikrin daTerra Indígena Trincheira-Bacajá e Juruna do Paquiçamba chegaram à ensecadeira por rio, vindos de suas TI, que ficam a jusante da barragem, na região que sofrerá com a seca, em área chamada pelo empreendimento de Vazão Reduzida do Xingu. Embarcações partiram também de Altamira, onde alguns indígenas chegaram por estrada vindos das aldeias mais distantes, e de onde partiram indígenas que permaneciam ou residem na cidade. São esperados os Arara da Volta Grande do Xingu e representantes de todas as Terras Indígenas na região, vindos dos rios Iriri e do Xingu, a montante de Altamira, além dos citadinos. Hoje de manhã lideranças Parakanã partem para se reunir aos que já se encontram acampados na ensecadeira.

Os índios estão insatisfeitos com a situação, já que as condicionantes que deveriam anteceder as obras não estão sendo devidamente cumpridas em suas terras e em Altamira. Além daquelas que afetam a todos – como a demora em investir na infra-estrutura da cidade, nos serviços de saúde e educação e no saneamento básico que estão cada vez mais sobrecarregados com o aumento populacional já sentido pela região –, os povos indígenas preocupam-se com a demora na implantação do Plano Básico Ambiental – componente indígena (PBA), que deveria estabelecer e efetivar os programas de compensação e mitigação dos impactos já sentidos na região pelos indígenas; com a demora na entrega aos Xikrin dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, que por ora apenas foram apresentados nas aldeias, e que permitiria um melhor dimensionamento dos impactos neste rio e para os Xikrin, e garantia da definição de programas de compensação e mitigação destes impactos, em especial pela seca que prevêm que seu rio sofrerá com a construção do empreendimento; pelo desconhecimento do PBA pelos indígenas, do qual se pede mais e melhores apresentações para todos entenderem; pela demora em definir a situação fundiária das Terras Indígenas Terra Wangã, Paquiçamba, Juruna do Km 17 e da Cachoeira Seca; pela indefinição no sistema de transposição da barragem e o temor de que eles fiquem isolados de Altamira, cidade onde estão os principais serviços que lhes atendem (de saúde, educação, escritórios da FUNAI); por não autorizarem a construção de mais estradas como alternativa ao transporte fluvial atualmente utilizado pelos indígenas e que será dificultado pela transposição da barragem e pela seca (vazão reduzida) do leito do rio; e pela falta do investimento necessário e anterior à obra em infraestrutura nas aldeias impactadas, como por exemplo para garantir a captação de água potável nas aldeias da Volta Grande do Xingu, nas quais a água do rio, até então consumida pela população, já está barrenta e insalubre devido à construção.”

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