[Dion Monteiro]
O que levou médicos, psicólogos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos em radiologia, odontólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos, técnicos em laboratório, trabalhadores dos setores administrativos e outros servidores municipais que atuam na área da saúde, pertencentes a 12 diferentes entidades de classe, a decidirem por uma greve unificada no mês de agosto/2012 que, registre-se, teve força para durar duas semanas?
A resposta para esta questão parece fácil: péssimas condições de trabalho nos dois prontos-socorros e demais unidades de saúde de Belém; baixos salários; falta de material, inclusive o básico para o desenvolvimento das atividades; equipamentos quebrados ou sucateados; insuficiência na quantidade de profissionais; ausência de plano de cargos, carreiras e remunerações; assédio moral, entre inúmeros outros problemas. Porém, é importante observar que esta situação não surgiu de uma hora para a outra, ela foi construída, passo a passo, caminho calçado por negligencias, desmandos e corrupção que, há muito tempo, já foram parar nos tribunais desta cidade.
Belém, em número de habitantes, é a segunda maior cidade da Amazônia brasileira. Segundo o Censo 2010 esta cidade tem aproximadamente 1,4 milhões de habitantes. Porém, quando se considera a sua região metropolitana, envolvendo também os municípios de Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárbara, este número sobe para mais de 2 milhões. Desta maneira, mesmo sem considerar a demanda vinda dos municípios que não compõem a metropolitana, já se pode concluir que a pressão por equipamentos e serviços públicos de saúde é muito grande naquela que é considerada a metrópole da Amazônia.
Entendendo a importância da região amazônica para o Brasil, mas também para o mundo, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou em julho/2012 recomendação ao Ministério da Saúde (MS), solicitando ações imediatas objetivando fixar e garantir melhores condições de trabalho aos médicos, mas também aumentar quantitativamente a presença destes profissionais na Amazônia Legal, em especial em seus interiores.
Para embasar esta recomendação, o MPF utilizou os dados de um estudo realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e Conselho Federal de Medicina (CFM), em dezembro de 2011, onde se evidencia a carência de médicos nesta parte do país.
A pesquisa concluiu que, considerando os médicos registrados, no Brasil há uma média de 1,95 médicos para cada 1.000 habitantes. Porém, quando se considera apenas os estados da Amazônia Legal (Roraima, Tocantins, parte do Mato Grosso, Rondônia, Amazonas, Acre, Amapá, Pará e parte do Maranhão), todos ficam abaixo da média brasileira.
No Pará (PA) a média é de 0,83 médicos para cada 1.000 habitantes, ficando a frente apenas do Maranhão (MA), com 0,68 médicos para cada 1.000 habitantes. É importante observar que o documento do MPF registra que o mínimo indicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é 01 médico para cada 1.000 habitantes. A conclusão do documento é que estados como PA e MA ainda possuem índices que podem ser comparados aos encontrados em alguns países africanos.
Avançando nos resultados da pesquisa Cremesp/CMF para o estado do PA, verifica-se que a relação entre os postos de trabalho médico ocupados em estabelecimentos privados e os usuários de planos e seguros de saúde apresenta uma média de 8,58 médicos para cada 1.000 habitantes. Quando a relação dá-se entre os postos de trabalho médico ocupados em estabelecimentos públicos e os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), esta média cai vertiginosamente para 0,89 médicos para cada 1.000 habitantes.
Finalmente, a pesquisa informa que nos estados da Amazônia Legal os planos de saúde respondem por 11% da assistência médica da população, isto quer dizer que na região norte, excluindo Mato Grosso e Maranhão, 90% da população local necessita do SUS.
Considerando apenas os índices apresentados para o PA, somados a precária situação descrita inicialmente, pode-se deduzir que a cidade de Belém, capital do estado, está intrinsecamente vinculada ao difícil contexto da saúde na região.
Mesmo sendo este tema responsabilidade da União, do Estado e do Município, é impossível não concluir que este último é determinante quando se aborda os caminhos que as ações de saúde vão trilhar. Duciomar Costa (PTB) e seus apoiadores estão à frente da Prefeitura de Belém desde 2005. Em quase 8 anos os atuais ocupantes do Palácio Antonio Lemos já colheram muitos frutos. O problema é que estes frutos têm um gosto muito amargo para a população desta cidade. São diversas Ações Civis Públicas e Criminais na área da saúde.
– Ação Civil Pública (ACP) PR-PA-2005.39.00.007049-3 de 05/09/2005. ACP com pedido de liminar contra a União, o município de Belém, Orlando Salomão Zoghbi, Maria José Bastos Zoghbi e Clínica Zoghbi Ltda, buscando a nulidade do contrato de promessa de compra e venda, celebrado pelo município de Belém, para a aquisição do Hospital Sírio-Libanês, bem como do procedimento de dispensa de licitação realizado.
– ACP PR-PA-2005.39.00.009619-8 de 24/11/2005. ACP motivada pelo fato de a Prefeitura Municipal de Belém, através da Secretaria Municipal de Saúde, não efetuar o pagamento das verbas oriundas do Ministério da Saúde (referentes às ações integradas de saúde – AIH’s) à Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, causando sérios transtornos e dificuldades no atendimento à população.
– ACP PR-PA-2006.39.00.004985-7 de 19/06/2006. ACP com pedido de liminar em face de Duciomar Gomes da Costa, Sílvia Helena Barbosa Randel, William Lola Mendes, Manoel Francisco Dias Pantoja e do município de Belém. Aquisição de veículos com recursos federais transferidos por meio do SUS, pela Secretaria Municipal de Saúde – Sesma – Prefeitura de Belém, com utilização pela Guarda Municipal de Belém e, possivelmente, pela Companhia de Trânsito de Belém. Desvio de finalidade. Emprego irregular de verbas públicas. Divulgação de publicidade institucional enganosa. Inversão da ordem de atos inerentes a licitações e contratos administrativos. Fraude processual.
– ACP JF-PA-2007.39.00.008412-5 de 12/09/2007. ACP para apurar irregularidades nas contas da Secretaria Municipal de Saúde – Sesma, quanto ao repasse de verbas federais, e compelir o município de Belém a justificar as razões do não cumprimento do plano de trabalho original do convênio nº 2536/2003, firmado com a FNS/MS em 31/12/2003, indicando o destino dado aos bens adquiridos com recursos federais, consistentes em equipamentos médico-hospitalares, que deveriam estar em uso nas unidades de saúde do SUS, em Belém, mas não foram localizados.
– ACP PR-PA-2008.39.00.006047-6 de 03/06/2008. Ressarcimento integral de danos ao erário, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa referente à aquisição do Hospital Sírio Libanês pelo município de Belém.
– ACP PR-PA-2008.39.00.006589-3 de 18/06/2008. ACP motivada por recorrentes atrasos no depósito de contra prestações pecuniárias devidas a clinicas de hemodiálise, correspondentes ao pagamento por serviços prestados (Terapia Renal Substitutiva – TRS) a pacientes oriundos do Sistema Único de Saúde – SUS.
– ACP JF-PA 2008.39.00.009454-8 de 18/09/2008. Ação Criminal por desvio na utilização de diversos veículos adquiridos pela Prefeitura de Belém com recursos federais transferidos pelo SUS/FNS, que deveriam ser destinados à Sesma – Secretaria Municipal de Saúde, para utilização exclusiva em ações e serviços de vigilância epidemiológica e sanitária, mas que acabaram sendo usados pela Guarda Municipal de Belém – GBEL.
– ACP PR-PA-2009.39.00.002818-6 de 07/04/2009. Liminar para promover a regularização do serviço de atendimento móvel de urgência, por meio do cumprimento integral das recomendações constantes do Relatório da Auditoria nº 5394/SEAUD/PA e da recomendação nº 07/2008 do MPF. Tal serviço foi criado com a finalidade de funcionar 24 horas por dia com equipes de profissionais de saúde, visando ao atendimento de urgências e emergências e ao transporte adequado de pacientes a um serviço integrado do SUS.
– ACP PR-PA-2009.39.00.009998-6 de 29/09/2009. ACP impetrada pela Advocacia Geral da União contra o município de Belém/PA, para que seja providenciada, nos prontos-socorros e nas unidades de saúde, imediata triagem específica e estruturação, em conformidade com o protocolo de manejo clínico e vigilância epidemiológica da influenza.
– ACP PR-PA-0016941-48.2010.4.01.3900 de 18/05/2010. ACP de improbidade administrativa. Verificaram-se irregularidades na aplicação de verbas oriundas do Ministério da Saúde, repassadas ao município de Belém através do convênio 2536/2003 – Siafi 497543, para a aquisição de equipamentos e materiais permanentes visando o fortalecimento do SUS. Observou-se a não apresentação de bens que teriam sido adquiridos em decorrência do convênio. Não apresentação do procedimento de licitação a partir do qual teriam sido adquiridos. Descumprimento das cláusulas do convênio. Prestação de informações falsas em Juízo. Descumprimento de decisão judicial, reiteradamente. Permanência de bens adquiridos por longo tempo sem utilização.
– ACP PR-PA-0000012-03.2011.4.01.3900 de 10/01/2011. ACP pedindo tutela antecipada para que o Município de Belém/PA pague os prestadores de serviços do SUS.
– ACP PR-PA-0004336-36.2011.4.01.3900 de 04/02/2011. ACP para obrigar o poder público municipal a adotar as medidas necessárias à organização da unidade básica de saúde do bairro da Terra Firme. Constataram-se irregularidades e deficiências na prestação de serviços na área de saúde pública, além de impropriedades referentes a medicamentos, profissionais e agendamento de consultas.
– ACP PR – PA 0012 731-80.2012.4.013900 de 07/05/2012. ACP conjunta do MPF e MPE contra o município de Belém, por irregularidades na Estratégia Saúde da Família, que recebeu entre janeiro e setembro de 2011 mais de R$ 10 milhões em recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). No período auditado – janeiro a setembro de 2011 – o Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) constatou 53 irregularidades, como ausência de equipes em alguns bairros e distritos, insuficiência de espaço físico, ambientes insalubres para funcionários e usuários, falta de equipamentos e materiais, equipes incompletas e não funcionamento das unidades pelas oito horas diárias previstas pelo SUS. As irregularidades já provocaram a solicitação de ressarcimento, pelo SUS, de R$ 3,7 milhões repassados a Belém. Os promotores também constataram que inexiste na cidade a Casa Família Saudável, que deve ser mantida pela Secretaria Municipal de Saúde, mas não foi encontrada pela equipe de auditoria do SUS, apesar de a prefeitura ter recebido recurso específico para isso e de constarem, na folha de pagamento da Sesma, os nomes de dez profissionais lotados naquela unidade de saúde. A ação afirma ainda que a situação da saúde de Belém é de colapso, tanto no âmbito da Saúde da Família quanto em outras frentes – que geraram inúmeras outras investigações do MPF/PA e MPE/PA ainda em andamento.
– ACP PR-R1- 2009.01.00.010511-5/PA de 30/05/2012. Ação Criminal proposta pela Procuradoria da República em Brasília, a partir de investigações iniciadas pelo MPF no Pará em 2008. Duciomar foi denunciado por irregularidades na aplicação de verbas recebidas do SUS, entre 2004 e 2006. Ele teria deixado de comprovar despesas e utilizado recursos para a quitação de dívidas de períodos anteriores. Os recursos do SUS recebidos de diversos programas eram transferidos de contas correntes específicas para uma única conta, de onde eram feitos todos os pagamentos relacionados à saúde, o que prejudicava a comprovação de utilização desses recursos. Além disso, a CGU constatou que mais de R$ 78 milhões foram aplicados em despesas administrativas não relacionadas com prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares. Duciomar teria também deixado de comprovar um gasto superior a R$ 22,1 milhões, ou 68% dos recursos recebidos entre abril e dezembro de 2006. E mais de R$ 17 milhões teriam sido usados para pagamentos de dívidas a prestadores de serviços relativas a períodos anteriores aos quais a verba do SUS se destinava, prejudicando o custeio das ações de saúde em andamento. Segundo a Procuradoria da República, o prefeito incorreu em crime de responsabilidade. A denúncia aguarda o recebimento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Se condenado, Duciomar poderá cumprir de 3 meses a 3 anos de detenção.
Dezenas de outras ações, em diversos campos, já foram movidas contra o atual prefeito e seus apoiadores. Aliás, no campo da articulação política, o alcaide atua de forma ampla. Concorreu nas duas ultimas eleições pela coligação “União por Belém”, da qual o PSDB fazia parte em 2004. Em 2008 Duciomar teve o apoio do PSDB no 2º turno.
Em 2010 foi a vez do PT se aliar ao prefeito. Em troca de repasse de verbas o PTB entrou na base de apoio da governadora Ana Júlia Carepa (PT), tendo inclusive Duciomar Costa assumido a coordenação da infrutífera campanha de Ana Júlia visando sua reeleição ao governo do Estado do PA.
Mesmo tendo adotado um discurso oposicionista depois que perdeu as eleições de 2008 para Duciomar, o PMDB, partido que tradicionalmente se divide em feudos, tem uma fatia respeitável da administração municipal. Um incontestável exemplo está na Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), que tem Terezinha Gueiros (PMDB), viúva do ex-governador e ex-prefeito Hélio Gueiros (PMDB), falecido em 2011, como titular desde 2005, quando Duciomar assumiu a Prefeitura de Belém.
Conclusão: enquanto partidos e políticos dividem responsabilidades sobre a precariedade da saúde em Belém, a população padece, sem leitos, médicos e medicamentos. Lamentos e suplicas parecem não sensibilizar os governantes. A saúde em Belém espera solução. No entanto, mesmo com tantas ações na justiça, é muito pouco provável que a verdadeira solução venha dos tribunais. Organização e luta continuam sendo o caminho.
Dion Monteiro é Pesquisador do Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS)