Na rede [Marinalda Ribeiro]
JUIZ HELDER LISBOA DA COSTA MANDA PARAR OBRA DO BRT E MANDA POLÍCIA CUMPRIR DECISÃO
(24.09.2012-12h35) O juiz Elder Lisboa, titular da 1ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Belém, determinou liminarmente, em despacho exarado nesta segunda-feira, 24, a paralisação da obra do Bus Rapid Transit (BRT) no Anel Viário do Entroncamento. A decisão atende pedido em ação de Nunciação de Obra Nova, ajuiz
A Cosanpa informou ainda que, diante do risco iminente, acionou a Divisão de Investigação e Operações Especiais (DIOE), em conjunto com o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, onde, in loco, ficou comprovado que o posicionamento do bloco de fundação acarretaria sérios riscos não só à adutora, mas ao abastecimento de água. Para a autora da ação, há a necessidade de reposicionamento de toda a estrutura da obra do BRT, incluindo as estacas, a base e o pilar para fora da área da adutora com distanciamento mínimo de três metros da estrutura da obra às expensas do Município de Belém, ou o desfazimento/demolição da obra do BRT situada no Entroncamento.
Através dos documentos juntados à ação, o magistrado verificou que assiste razão à Cosanpa, uma vez que o posicionamento do bloco de fundação sobre a adutora poderá acarretar sérios riscos ao abastecimento de água, “inclusive, inviabilizando qualquer tipo de intervenções emergenciais em caso de vazamento da adutora, causando uma tragédia de proporções inimagináveis”. O magistrado ressaltou ainda em seu despacho que, “com a continuidade da obra nos moldes previstos, haverá um verdadeiro caos à população da região metropolitana de Belém, pois, amargará mais ainda com a falta d’água, que já é um serviço altamente deficitário”. Com o peso da estrutura e dos veículos que circularão pelo elevado, a obra se torna “uma tragédia anunciada”. (Texto: Marinalda Ribeiro)
DECISÃO
PROCESSO: 0045452-22.2012.814.0301.
AUTOS DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA COM PEDIDO DE LIMINAR.
AUTOR: COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ – COSAMPA.
RÉU: MUNICÍPIO DE BELÉM E CONSTRUTORA ANDRADE GUTIERREZ S/A.
Vistos, etc.,
Tramam os presentes Autos de AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR, INALDITA ALTERA PARS, PARA O EMBARGO, SUSPENSÃO E DESFAZIMENTO OOU DEMOLIÇÃO DE OBRA, em desfavor do MUNICIPIO DE BELÉM e da CONSTRUTORA ANDRADE GUTIERREZ S/A, alegando em síntese que:
A autora, COSANPA, é proprietária de uma adutora de 900 (novecentos) milímetros de diâmetros em ferro fundido localizado no canteiro central do anel viário do entroncamento, onde estão sendo realizadas as obras da Prefeitura de Belém, executadas pela Construtora Andrade Gutierrez S/A, relativas ao Programa BUS RAPID TRANSIT (BRT).
Afirma a autora que através do Oficio n.º 114p/2012, encaminhou a Gerencia do Programa da Unidade Gestora de Projetos Especiais da Primeira demandada o cadastro das redes de abastecimentos, inclusive, requerendo cópias dos projetos relativos à obra do BRT com as possíveis interferências na rede de distribuição de água.
Ademais, alega que constatou que a adutora de 900 (novecentos) milímetros encontra-se sob o bloco de fundação B2 em construção , com sua geratriz superior externa, a 20 cm da base inferior do bloco em referencia, conforme as plantas anexadas aos autos, podendo acarretar sérios problemas no abastecimento de água aos municípios residentes em Belém, Ananindeua e Marituba e danos ao seu patrimônio, em razão de possível e/ou provável rompimento da adutora.
Da mesma forma, informa que diante de risco iminente, a requerente resolveu acionar a Divisão de Investigação e Operações Especiais do Estado do Pará/DIOE, em conjunto com o Centro de Pericias Cientificas Renato Chaves, onde in loco ficou comprovado que o posicionado do bloco de fundação acarretaria sérios riscos não só a adutora, mas, principalmente, ao abastecimento de água.
Portanto, segundo a autora haveria uma necessidade imperiosa de reposicionamento de toda a estrutura da obra do BRT, incluindo as estacas, a base e o pilar para fora da área da adutora com distanciamento mínimo de 3 (três) metros, ou o remanejamento do trecho da adutora de no mínimo de 3 (três) metros da estrutura da obra às expensas do Município de Belém, ou o DESFAZIMENTO/DEMOLIÇÃO da obra do BRT situada no Entroncamento.
Finalmente, em razão do risco iminente relatado na exordial, a requerente vem promover a presente ação de NUNCIAÇÂO DE OBRA NOVA requerendo a CONCESSÃO DE LIMINAR, no sentido de Embargar a obra do BUS RAPID TRANSIT (BRT), no sentido de SUSPENDER À OBRA DO BRT, especificamente, a que está sendo realizado no anel viário do Entroncamento sobre a adutora da COSANPA, até que seja reposicionado de toda a estrutura da obra do BRT, ou remanejado o trecho da adutora também com distanciamento mínimo de 3m (três metros) com os recursos próprios da Fazenda Municipal de Belém, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Requer, em sede alternativa, que caso já tenha havido o assentamento de concreto da base, do pilar sobre a adutora da COSANPA e das estacas sobre esta, que seja determinado o desfazimento ou demolição da obra do BRT situado no trecho compreendido no canteiro central do entroncamento, tudo às expensas da primeira requerida.
Em síntese é o relatório. Passo a decidir.
Decido.
Fundamentação
Preliminarmente, havemos de destacar alguns aspectos sobre a ação de nunciação de obra nova. Esta ação tem como escopo primordial impedir a transgressão de alguns direitos de vizinhança, alguns direitos abrangendo regras para edificação de imóveis que possam embaraçar o exercício do direito de propriedade ou de posse de um vizinho.
A alusão ao direito de vizinhança, feita no inciso I do art. 934 do Código de Processo Civil, não possibilita a conclusão de que ele se baliza ao imóvel contíguo; contrariamente, é irrelevante a extensão que os separe, pois a realização de obra em um deles, em desarmonia com a lei e posturas, poderá ocasionar danos ao outro.
Resumindo, a ação de nunciação de obra nova tem por escopo tanto amparar os direitos de vizinhança, mais especificamente o direito de construir e evitar que a obra seja concluída, ou tenha prosseguimento quanto obrigar o responsável por ela a restabelecer o estado anterior, mediante a reconstituição, modificação ou demolição do que houver sido feito, independentemente de indenização por perdas e danos; estando já concluída, o prejudicado deverá valer-se de outra ação.
A concessão da tutela antecipada exige a presença de certos requisitos, materializados na prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação (caput, art. 273, Código de Processo Civil), conciliada, alternativamente, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I) ou ainda, quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou mesmo, o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II).
Pela regra do inciso I, se conclui, primeiramente, que possível se mostra a concessão do provimento de urgência, antes do aperfeiçoamento da relação jurídica processual ou, no curso do processo, em qualquer momento.
Frise-se, assim, que a concessão de liminar se dará, exclusivamente, na hipótese do inciso I. Nas situações do inciso II, necessariamente, deverá ocorrer a manifestação do réu.
Quanto a prova inequívoca, ensejadora da verossimilhança da alegação, não obstante posição respeitável em contrário, tal conceito melhor se coaduna com a lição ditada por Luiz Guilherme Marinoni ao afirmar que:
a denominada (prova inequívoca) capaz de convencer o juiz da (verossimilhança da alegação) somente pode ser entendida como a (prova suficiente) para o surgimento do verossímil, entendido como não suficiente para a declaração de existência ou inexistência do direito.
Assim, mostra-se bastante a existência de prova inequívoca que faça convencer da verossimilhança da alegação, isto é, da plausibilidade da pretensão de direito material afirmado, não se mostrando suficiente o mero fumus bonis iuris, requisito típico do processo cautelar.
No mesmo sentido, Kazuo Watanabe esclarece:
Mas um ponto deve ficar bem sublinhado: prova inequívoca não é a mesma coisa que (fumus bonis iuris) do processo cautelar. O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito.
A jurisprudência assim se manifesta sobre o assunto:
TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. DEFERIMENTO LIMINAR. 1. Ainda que possível, em casos excepcionais, o deferimento liminar da tutela antecipada, não se dispensa o preenchimento dos requisitos legais, assim a ‘prova inequívoca’, a ‘verossimilhança da alegação’, o ‘fundado receio de dano irreparável’, o ‘abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu’, ademais da verificação da existência de ‘perigo de irreversibilidade do provimento antecipado’, tudo em despacho fundamentado de modo claro e preciso. 2. O despacho que defere liminarmente a antecipação de tutela com apoio, apenas, na demonstração do fumus bonis iuris e do periculum in mora malfere a disciplina do art. 273 do CPC, à medida que deixa de lado os rigorosos requisitos impostos pelo legislador para a salutar inovação trazida pela Lei nº 8.952/94. (STJ – Recurso Especial nº 131.853 S/C – 3ª Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
No que tange ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, inevitável a comparação com o periculum in mora ou risco de dano iminente do processo cautelar, na exposição a perigo do direito provável.
Portanto, verifica-se pelos documentos acostados na exordial, assiste razão ao nunciante uma vez que o posicionamento do bloco de fundação sobre a adutora da autora poderá acarretar sérios riscos ao abastecimento de água, inclusive, inviabilizando qualquer tipo de intervenções emergenciais em caso de vazamento da adutora, causando uma tragédia de proporções inimagináveis.
Ao projetar a construção do elevado do entroncamento para implantar a obra do BRT, o Município de Belém projetou os pilares que sustentarão a obra, somente a 20 centímetros da adutora que abastece a cidade de Belém e Ananindeua. Com o peso da estrutura, mais dos veículos que circularão pelo elevado, é uma tragédia anunciada.
Neste iterem, vale frisar por derradeiro que, desde o surgimento da vida na Terra, a água é o elemento mais importante para a sobrevivência de todos os seres vivos. Com a continuidade da obra nos moldes previstos, haverá um verdadeiro caos à população da região metropolitana de Belém, pois, amargará mais ainda com a falta d’água, que já é um serviço altamente deficitário.
Dispositivo.
Posto Isto, DEFIRO o pedido contido na inicial, para Determinar a paralisação da Obra do BRT, no Anel Viário do Entroncamento, até que o Município de Belém proceda o reposicionamento de toda a estrutura da obra, de acordo com o contido na inicial, de tudo informado este juízo.
Considerando que em outro processo o Município de Belém, por meio de seus agentes não cumpriram a ordem emanada deste Juízo, desde já se proceda com as seguintes providências:
Sr. Oficial de Justiça, requisite imediata força policial (Polícia Militar) para cumprimento desta ordem.
Aplico em caso de descumprimento desta decisão, multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser suportada pessoalmente pelo Senhor Prefeito Municipal Duciomar Gomes da Costa.
Notifique-se o Estado do Pará, para querendo ingressar na lide.
Cite-se o Município de Belém, para, querendo, apresente resposta à demanda.
Intimem-se o MP, para querendo, intervir no que entender necessário.
Cite-se/Intimem-se/Cumpra-se na forma e sob as penas da lei.
Devido a relevância da matéria, determino o cumprimento desta ordem por medidas urgentes.
Servirá esta decisão como Citação/Intimação/Mandado.
Gabinete do Juiz em Belém, aos 24 de setembro de 2012.
Elder Lisboa Ferreira da Costa
Juiz de Direito, Titular da 1ª Vara da Fazenda da Capital.