Enquanto a população paraense sofre com o caos da saúde pública, médicos e gestores se desentendem publicamente, deixando claro que uma solução parece cada vez mais longe. O sofrimento das longas filas, da falta de atendimento e das mortes que poderiam ser evitadas se houvesse atendimento adequado se repete diariamente nos hospitais do Estado e nos prontos-socorros municipais. Sobram reclamações e trocas de acusações e faltam medidas para resolver os problemas.
Na semana passada, o Sindicato dos Médicos do Estado do Pará e a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) tiveram mais um round na disputa que vêm travando publicamente em torno da saúde no Estado. O Sindmepa acusa o Estado de ser omisso, principalmente no que diz respeito à saúde básica. “No caso da Santa Casa, por exemplo, o Estado sempre afirma que o problema é a falta do pré-natal, mas ele é responsável por essa carência. O Estado é o gestor e tem que chamar os municípios, levá-los a cumprir com suas obrigações”, diz o diretor do Sindmepa, João Gouveia referindo-se à série de mortes registradas neste mês na Santa Casa, maior maternidade pública do Estado.
O número de bebês já chegaria a 50, segundo estatísticas ainda não confirmadas. Em meio à saraivada de críticas, o atual titular da Sespa, Hélio Franco, que já foi diretor do Sindicato dos Médicos, tem partido para o ataque, azedando cada vez os ânimos. Em reunião na Assembleia Legislativa na semana passada, Franco acusou os médicos de estarem preocupados apenas com os próprios salários. “O Sindicato não tem nenhuma preocupação com essa situação. Eles querem é ganhar dinheiro”, disparou provocando a revolta dos médicos.
“Foi uma declaração infeliz. O doutor Hélio nos envergonha porque ele saiu do Sindicato e quando estava aqui, lutava pelas mesmas causas que nós e agora está se tornando inimigo público da classe médica”, rebateu Gouveia.
O Sindempa estuda interpelar o secretário para explicar as declarações. Franco acusa também a entidade de ser comprometida com o setor privado de saúde e diz que há uma espécie de indústria de plantões usados para inflar os salários dos profissionais.
A temperatura entre Sespa e Sindmepa atingiu o ponto de ebulição após a denúncia, feita por um médico, à entidade, de que havia um aumento significativo do número de bebês na Santa Casa. “O problema existe. Os fatos estão aí. Não queremos briga. O que se quer é que se busque uma solução. Tanto é que já temos informações de que nos últimos dias, a média de bebês mortos caiu”, diz o diretor do Sindempa João Gouveia. O aumento assustador levou a suspeitas sobre um possível surto de infecção na maternidade que é referência para mulheres que dependem da saúde pública no Pará.
Hélio Franco diz que as mortes já eram esperadas. “São bebês com 450 gramas, em geral filhos de mães adolescentes que usam drogas ou tentaram aborto”, explica negando que tenha havido surto de infecção. Essa declaração também foi alvo de polêmica. Entidades médicas consideraram que o titular da Sespa estava culpando as mães pela morte dos filhos, ao invés de procurar melhorar o atendimento na maternidade.
Hélio Franco diz que nos hospitais do Estado não há equipamentos quebrados ou falta de medicamentos. O único problema, afirma seria causado pela falta de recursos para aumentar salários. “Eles sempre querem mais, mas a gente não tira dinheiro de um buraco”. O orçamento anual do Estado para a saúde é de R$ 1,2 bilhão, sendo que R$ 800 milhões seriam gastos apenas com salário e o restante para manter os hospitais regionais. O Sindmepa reage afirmando que falta melhorar a gestão e exigir que os municípios cumpram suas obrigações, além de melhor investimento na saúde básica.
Na próxima quarta-feira, os ânimos devem voltar a se acirrar. Os médicos preparam uma manifestação em defesa da saúde de qualidade no Pará. A ideia é reunir médicos, residentes e estudantes de medicina. Haverá protestos em várias cidades do Brasil.
Em Belém, os manifestantes vão se concentrar em frente à Santa Casa de Misericórdia, às 8h da manhã e em seguida sairão pelas s principais ruas do bairro do Umarizal e Nazaré, rumo à Secretaria de Saúde do Estado (Sespa), na Conselheiro Furtado.
Saúde em Belém virou uma tragédia sem remédios
As denúncias de falta de condições de trabalho para médicos e de atendimento para a população se estendem ao município de Belém. Os dois principais prontos-socorros da capital são os principais alvos dos problemas. Responsáveis pelo atendimento de urgência e emergência em Belém, os PSMs da 14 de Março e do Guamá sofrem com superlotação, falta de equipamentos e, nesta semana, o que era péssimo atingiu níveis trágicos com a falta de medicamentos básicos. “Ao assumir, o prefeito disse que em 100 dias ia produzir uma nova face na saúde em Belém. Na área de urgência e emergência, infelizmente piorou. Estamos com falta de medicações básicas como dipirona, soro fisiológico, equipamentos e materiais como gaze e esparadrapo”, disse Gouveia em entrevista à Rádio Clube, na manhã da última sexta-feira. Segundo ele, os problemas se repetem nos dois prontos-socorros e nas unidades básicas de saúde.
A prefeitura de Belém confirmou que há falta de medicamentos, mas diz que houve demora na compra por causa da licitação. No início da gestão, o prefeito Zenaldo Coutinho publicou decreto que permitiu a compra sem licitação. Por isso, a falta de medicamentos confirmada agora pelo município tem causado espanto. “Foi decretado o estado de emergência para a compra desses insumos e agora o prefeito diz que não comprou por causa da licitação. A informação não bate. Até que a situação seja regularizada, vamos continuar atendendo no limite, fazendo triagem rigorosa para atender só os casos mais graves porque faltam insumos básicos como fio de sutura, esparadrapo, gaze e soro fisiológico. Quem sofre é a população, que não pode nem recorrer às unidades de saúde, que também estão sem nada”, diz Gouveia.
Segundo a assessoria da prefeitura, os estoques duraram apenas três meses. A PMB diz que houve atraso no novo carregamento e promete que no início da semana que vem o problema estará resolvido. A compra sem licitação levou o Ministério Público a instaurar procedimento administrativo preparatório para apurar os motivos que causaram o estado de emergência que fundamentou o afastamento de licitação.
João Gouveia, do Sindmepa, acusou também a atual gestão de ter retirado da Sesma a prerrogativa para fazer compras de materiais e medicamentos, concentrando as decisões no Gabinete do prefeito. Essa teria sido uma das causas da saída do secretário. “Até o fundo municipal de saúde teria ido para o gabinete de trabalho e o secretário decidiu ir para a casa porque não podia fazer licitações, comprar medicamentos, não tinha mais o que fazer”. A assessoria de imprensa foi consultada a respeito, mas até o fechamento desta edição não havia resposta.
Relatório denuncia o que a população sofre todo dia
Relatório feito pelo Sindmepa em fevereiro deste ano revela que o PSM do Guamá funciona de “forma precaríssima e em alguns setores até de forma desumana”. Lá, segundo a entidade, cerca de 90% dos médicos trabalham sem contrato.
O relatório apontou anda que no chamado posto 1, que fica no térreo, pacientes ficam internados em macas ao relento, em cadeiras ou em pé. “Às vezes há 42 pacientes para serem vistos pelos dois únicos clínicos concursados. Neste setor as instalações são deficientes, sem nenhum conforto, caixas de papelão contendo apenas soro fisiológico ficam acondicionadas sob os pés dos médicos no espaço que é destinado às prescrições, não há sala multiprofissional para este fim. O espaço é comum a todos: técnicos, auxiliares de enfermagem, técnicos administrativos, médicos, alguns da manutenção e outras pessoas que circulam livremente, sem qualquer identificação. Não há sistema de climatização do ambiente e a ventilação é precária, há paredes com infiltração e cobertas de fungos em grandes extensões”, diz um trecho do relatório que foi enviado às autoridades do município.
Quando assumiu a prefeitura de Belém em janeiro deste ano, o atual prefeito de Belém Zenaldo Coutinho disse ter elegido a saúde como prioridade ao lado do saneamento e da segurança. Passados seis meses, os problemas da gestão anterior ainda se repetem. Parece que vai repetir também a alta rotatividade de titulares na pasta da saúde. O médico Joaquim Ramos deixou o cargo no início deste mês, alegando excesso de burocracia e falta de condições para trabalhar.
O ex-prefeito Duciomar Costa trocou oito vezes de secretário de saúde nos oito anos em que ficou no cargo. Após uma paralisação realizada na última sexta-feira e com uma ameaça de greve dos servidores do PSM, o prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) anunciou que vai fazer contratos com a rede privada da capital para a urgência e emergência. A medida deve garantir, segundo a prefeitura, 160 leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Ainda não há estimativas sobre o custo.
A matéria foi publicada originalmente no (Diário do Pará),Domingo, 30/06/2013
Uma resposta para “Caos, descaso e intrigas na saúde pública”
A classe médica tem que fazer também a sua parte,pois a maioria dos médicos clínicos, nem sequer olham para o paciente examinar que é bom nem pensar ,basta o doente dizer “To com uma coceira na perna” que logo ele dá a referencia para dermatologista, Reclamam de barriga cheia pois quem segura o pepino são as outras categorias de saúde que cumprem com seus horários e assim ainda querem o ATO MEDICO, só querem melhorar seus salários, pois se a atenção básica tivesse resolutividade as pessoas não ficavam em filas por conta de uma curubinha que eles não tratam. Tanto faz ter material como não ter é sempre assim que muitos trabalham,,,tem médico que atende as 6horas da manhã em unidades de saúde e as 7-30h já se foi .É claro que tem profissionais médicos que merecem , trabalham com ética,e por incrível que pareça são os que menos reclamam .Concordo que a Saúde vem piorando a cada dia pois os Secretários de Saúde nunca tem autonomia pra nada, o dinheiro passa longe deles ,aposto que esse novo secretario vai sair rapidinho,ninguem pode administrar sem autonomia financeira nem a própria casa imaginem uma rede de saúde numa capital como Belém, [