Moisë, Durval, Monark, Kataguiri: as várias faces de um Brasil racista e desconhecedor de sua História

Por Ju Abe

Nesta terça-feira (8), novas imagens do vídeo do espancamento do congolês Moisë Kabagambe foram reveladas, as quais mostram que o quiosque Tropicália permaneceu vendendo bebidas pelo menos três horas com o corpo de Moisë estirado ao lado. Clientes e funcionários seguiam suas “normalidades”, sem importar-se com aquele corpo negro estendido ao chão.

Poucos dias após o assassinato de Moisë, outro crime é filmado por câmeras de segurança e exposto em rede nacional- o repositor Durval Teófilo é morto no dia 2 de fevereiro pelo próprio vizinho, um sargento bolsonarista que dispara três tiros contra Durval à porta de sua casa, num condomínio fechado. Durval havia se mudado recentemente para fugir da violência- mas a violência o encontrou.

Nem bem descansa a parcela de brasileiros que ainda têm coração e estômago para indignar-se, ganha as redes sociais o caso de um influencer e um Deputado Federal que, encorajados por discussões acerca da “liberdade de expressão irrestrita”, ousam dizerem-se a favor da legalização de partidos nazistas.

– Afinal, o que está acontecendo com o Brasil?

Primeiramente, é preciso dar nomes aos bois. Denunciar é importante, mas compartilhar desenfreadamente memes e posts de indignação contra os assassinos, os sargentos bolsonaristas, os Monarks e os Kataguiris, mostra o problema de maneira superficial, sem ir ao “x” da questão.

O Brasil é um país racista, e isso só foi reconhecido mundialmente pela primeira vez na década de 90, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Até então, a ideia vendida desde a Ditadura Militar era a de que nós éramos uma nação cuja miscigenação não tinha consequências maiores além do sentimento de orgulho perante um mundo que nos enxergava como belos e exóticos.

Reconhecido o racismo, é preciso identificá-lo em suas variadas manifestações.

Vemos, por exemplo, a participante Bárbara, do Big Brother Brasil, utilizar a expressão “samba do criolo doido” ao referir-se a outro participante negro, e, logo em seguida, acuada pelas câmeras, se auto repreender. Teria Bárbara repreendido a si mesma, se não estivesse sendo filmada?

A resposta é não. A verdade é que no Brasil, a linguagem racista é aceita sem maiores questionamentos nos lugares onde ela circula: bares, escolas, universidades, restaurantes. E brancos tendem a não querer mudar (ler, assistir ou pesquisar), mesmo sabendo que estão errados, pois o racismo estrutural permite que eles tenham o status que desejam dentro da sociedade- e quem deseja mudança quando se está em situação confortável?

A professora Marcia Marilu Campelo- Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Faculdade de Ciências Sociais da UFPA explica que pensamentos racistas não surgiram por acaso aqui no Brasil.

Um teórico muito difundido por aqui no século XIX chamado Nina Rodrigues, por exemplo, acreditava que a união interracial entre casais prejudicava a evolução da espécie humana. Ele foi influenciado por um italiano, Cesaro Lombroso, muito estudado nos círculos do Direito à época- e cujo pensamento pregava que pessoas negras eram naturalmente propensas ao crime.

Segundo a pesquisadora, o fenômeno bolsonarista é apenas uma aceleração de algo que viria à tona no Brasil, de uma forma ou de outra.

Bolsonaro representa o ressentimento das classes média e alta diante da ascensão e empoderamento de camadas antes oprimidas- negros e indígenas. Eles acessaram os espaços que antes fora ocupado somente por brancos através de políticas de cotas implementadas pelo governo Lula- e o reconhecimento do racismo no Brasil iniciado por FHC, este, se não o escancarou totalmente, abriu ao menos o espaço de debate.

Os últimos acontecimentos, ao mesmo tempo que chocam, trazem à tona o que precisa ser debatido à exaustão, teorizado, exposto, denunciado, para enfim ser aniquilado.

Ainda é um longo caminho. Entretanto, se há algum, é através da educação, diz Marilu Campelo: “a gente trabalha com a implementação de uma educação anti-racista”.

E a maior motivação para a continuação do trabalho, segundo ela, está na mudança das tristes estatísticas: “Às vezes a gente fica cansado de ficar falando a mesma coisa, mas precisamos falar sim, porque amanhã pode morrer mais um”.

“Às vezes a gente fica cansado de ficar falando a mesma coisa, mas precisamos falar sim, porque amanhã pode morrer mais um” – Profa Marcia Marilu Campelo Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro Brasieliros (NEAB)- UFPA

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