A GRANDE OCUPAÇÃO DE PORTEL: dois anos de lutas e vitórias.

Por Ronaldo Alves (*)

Não dava para acreditar que aquilo estava ocorrendo em Portel, uma cidade pacata, com uma população aparentemente conformada com a realidade miserável do Marajó. No dia 20 de abril de 2008, por volta das 17h00min, aproximadamente 1600 famílias ultrapassam os cercados da empresa falida AMAZÔNIA COMPENSADOS E LAMINADOS S/A – AMACOL, dando início à grande ocupação. Em uma ação rápida e desordenada as pessoas estavam determinadas a garantir um terreno para construção de sua moradia.
Em minha ótica, dois motivos especiais concorreram para o ocorrido. O primeiro é que ao longo dos 252 anos deste município, nenhum governo teve preocupação de implantar políticas voltadas para a moradia- era fácil encontrar genros, noras, sogros e netos morando em uma só casa, sem a mínima estrutura de saneamento básico como rede de esgoto, água encanada, ruas asfaltadas e principalmente banheiros biológicos. O segundo diz respeito à principal atividade econômica do município, que era a extração madeireira, pois desde 2005 havia entrado em crise pela não liberação de projetos de manejo florestal. Com isso, várias indústrias do ramo fecharam as portas em Portel, deixando milhares de trabalhadores desempregados vivendo na miséria, como foi o caso da AMACOL que em seu auge funcionava com mais de 1 mil funcionários.
Os ocupantes, descontentes com a realidade em que viviam, foram tomados por um sentimento de revolta por tudo o que acontecia no contexto local e a disposição de luta pela posse da terra era contagiante. Todos estavam afoitos para construir um barraco e morar dentro da área ocupada. Todavia, à noite, por volta das 22h00min, o clima era frenético na construção de barracos e de tensão para que os ocupantes não entrassem em confronto com os “funcionários” (pistoleiros armados) que se diziam seguranças da empresa.
No dia seguinte era notório o consenso de todos em ficar na terra ocupada, mas também era visível a desordem na organização dos espaços. Não se tinha uma liderança no meio do movimento para nortear o traçado das ruas e espaços para futuras construções de prédios públicos ou áreas de lazer e isso gerava muita desordem. Foi neste contexto que resolvemos fazer uma reunião em assembléia geral as 16h00min., em um galpão da empresa; a partir de então, o movimento passou a tomar corpo e organização. Ficou deliberado por mais de 1500 famílias que a organização ia se dá por partes. Devido a área ser muito grande, foi dividida em três partes e formada uma comissão provisória chamada de COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO DOS SEM TETO DE PORTEL para ordenar os trabalhos e contestar na Justiça um mandato de reintegração de posse da área obtido pela empresa.
Em contrapartida a direção da empresa mantinha seus “funcionários” na área, alegando que os ocupantes queriam saquear a empresa. Diante de tal alegação, a resposta do movimento teria que ser a de diferençar-se de eventuais saqueadores, constituindo uma comissão responsável pela vigilância da área ocupada. No entanto, era praticamente impossível para o movimento vigiar toda a extensão da área ocupada, que representa quase um terço da área urbana de Portel. Os saques eram inevitáveis sendo que uma pessoa foi morta a tiros pela segurança da empresa e jogada ao rio para se ocultar o cadáver, quando supostamente tentava saquear a serraria da empresa no meio da noite. Vale aqui ressaltar que vítima não fazia parte do movimento.
Outro fator de destaque no processo de ocupação foi a constante ameaça de que uma força tarefa se deslocava de Belém do Pará para fazer o despejo dos ocupantes e repreender a resistência, inclusive um locutor da radio comunitária local que, supostamente recebia dinheiro da direção da empresa, anunciava com freqüência a noticia, na tentativa de intimidar os ocupantes. Esta ação na radio foi muito negativa para o movimento, pois gerou muita desconfiança nas pessoas que por terem a radio como único veiculo de comunicação local do município, conceberam a notícia de despejo como verdade e, desta forma, começaram a temer o investimento financeiro na construção de suas casas com medo da tal força tarefa chegar e destruir toda e qualquer construção que não fosse da empresa, pois era o que a radio anunciava, sem contar a ameaça de prisão que iria ocorrer às pessoas de linha de frente do movimento.
Para tanto, uma nova assembléia foi formada e nesta foi deliberado que os ocupantes iriam pedir o apoio dos vereadores do município para se posicionarem em favor da nossa causa, a luta pelo direito à moradia, e tentar resolver o impasse, o que ocorreu no dia 24 de abril de 2008 quando uma multidão de pessoas ocupou o prédio da Câmara de vereadores de Portel até conseguir uma reunião com os vereadores para expor o problema, a reunião aconteceu na mesma noite. Naquela ocasião os vereadores resolveram receber uma comissão de nove pessoas, escolhidas entre os que tomaram a frente na organização do movimento. Pouco se pôde aproveitar desta reunião, devido se aproximar o período eleitoral 2008 e também pelo fato de um diretor da empresa AMACOL ser vereador. A preocupação naquela casa era não entrar em confronto com os madeireiros da região para não comprometer seus currais eleitorais e isso fez com que os vereadores permanecessem “neutros” diante do fato da ocupação.
Vale aqui frisar que quando a empresa faliu, deixou mais de 200 trabalhadores sem receber indenização por tempo de serviço e estes também se posicionavam contra o movimento de ocupação. Contudo, mesmo sendo vivenciado o processo eleitoral 2008, eleições para Prefeito e Vereadores, nenhum dos candidatos a eleição majoritária do município manifestou em palanque o interesse em resolver o problema alarmante da moradia em Portel; ao contrário, com relação aos candidatos a vereador, o que mais se via eram interesseiros querendo se aproveitar da situação para obter o voto dos moradores ocupantes da área, no entanto, após as eleições nenhum deles sequer voltou para agradecer os votos obtidos.
Após o ato na Câmara municipal, o movimento começou a discutir a criação de uma associação para representar juridicamente os assentados. Logo, seguidas reuniões foram realizadas para discutir o estatuto da associação que culminaria com uma manifestação pública memorável no dia 1º de maio – DIA DO TRABALHADOR – quando os ocupantes se uniram ao SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARÁ – SINTEPP – Subsede de Portel, para realizarem o “GRITO DOS EXCLUÍDOS”. Saíram juntos em passeata pelas ruas da cidade com paralisação em frente à Prefeitura Municipal, onde foi fundada a Associação dos Assentados de Portel – AAP e tomou posse por aclamação a sua diretoria. Foi um ato histórico no município de Portel, pois nunca tanta gente havia se reunido em frente à Prefeitura para aclamar a posse de uma diretoria de Associação que luta por direito a moradia.
A partir de então, a diretoria da AAP vem trabalhando para garantir a posse da área. Promoveu dois encontros de debates na área ocupada entre os moradores e o Senador da República JOSÉ NERY, que não se furtou às discussões e manifestou apoio a causa justa da moradia em Portel. A diretoria, junto com seus associados vem participando de Plenárias e Conferências municipais como a de Saúde, Cultura, educação, Meio Ambiente e da Cidade, inclusive elegendo delegados para participar da etapa estadual das mesmas. Desta forma, conseguiu reverter o pensamento de algumas pessoas que antes eram contra o movimento por achar que a ocupação era uma concentração de bandidos e pessoas mal intencionados que queriam tirar proveito da empresa falida, porém, agora estão vendo que ali se concentra famílias humildes, mas dignas de respeito. Existe ainda a disposição da diretoria da AAP de contribuir para a construção do Movimento de Luta Popular (MLP) e, através deste, da FRENTE NACIONAL DE RESISTÊNCIA URBANA que, como sua própria denominação indica, trata-se de uma organização articulada dos movimentos urbanos a nível nacional que se empenha na luta pela moradia neste país; uma organização alternativa aos movimentos nacionais que se deixaram atrelar aos projetos governistas.
Depois de praticamente dois anos de ocupação, o local ocupado mostra outra realidade para o povo de Portel, pois mesmo com as dificuldades, ruas tomaram formas e ganharam nomes, construções de casas são cada vez mais constantes, o comercio está presente, a paisagem geográfica é outra e os moradores carinhosamente chamam o local de “A Portelinha”. Hoje, a entidade é membro do CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE – CMS, sendo isto uma grande vitória para o movimento porque conseguiu afirmar o nome da AAP numa eleição onde concorriam mais de 10 entidades para 5 vagas no CMS. No entanto, ainda não conseguimos escola para as nossas crianças, o que se discute com a Secretaria Municipal de Educação – SEMED é a construção de um barracão por parte da AAP onde lá seria lecionado ensino fundamental para Jovens e Adultos. Contudo, porém, a SEMED alega que não pode fazer investimento porque a área está em processo tramitando na justiça. Com relação à saúde também se discute a implantação de um posto de saúde da família – PSM na área. O maior problema enfrentando até então é quanto à segurança dos moradores, pois a polícia militar não faz ronda dentro da área alegando difícil acesso, o que não podemos aceitar com justificativa, haja vista que outros veículos como taxi, caçambas e caminhões transitam na área, por que a viatura da PM não transita? Estamos empenhados e confiantes na luta, pois, mesmo com todas essas dificuldades apresentadas avaliamos que o movimento vem avançando significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos moradores e na luta por justiça social, esperamos em breve estar de forma regularizada na área.

(*) Ronaldo Alves é professor, coordenador da regional Marajó do SINTEPP, coordenador geral da subsede do SINTEPP/Portel e vice- presidente da AAP (Associação dos Assentados de Portel).

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