PAC DO PARÁ: um assalto ao futuro.

por Adolfo Oliveira Neto (*)

No ultimo dia 07 de junho a governadora do estado do Pará, Ana Júlia Carepa, em meio a uma grande festa anunciava o Programa de Aceleração do Crescimento do Pará, conhecido como PAC do Pará, que se caracteriza como um programa de investimentos públicos e privados e que busca marcar a imagem do seu governo como uma administração que tem a capacidade de induzir o crescimento econômico do estado. No entanto, pelo volume de investimentos previstos e pelo caráter do programa, que se assemelha muito as características do PAC do governo federal, a governadora pode ter lançado um programa que se tornará ou um grande elefante branco de cunho eleitoreiro, caso as pretensões do programa não durem mais do que o tempo de televisão destinado a candidata durante a campanha eleitoral que se aproxima, ou um grande Cavalo de Tróia, caso o nefasto programa se concretize. Em meio aos festins, dois elementos devem ser postos em debate de maneira séria à toda sociedade. O primeiro é o caráter do programa, o que desmonta a imagem auto-projetada pelo governo mostrando as suas fragilidades e o grande desencontro das ações governamentais. O segundo é o caráter dos investimentos, o que nos leva a refletir seriamente sobre as possibilidades de futuro que o governo estadual está atuando como um ator importante para consolidar.

ENTRE DESENCONTROS E DESPEDIDAS
Em relação ao caráter do programa, sem dúvida é um dos maiores montantes anunciados para o estado nos últimos vinte anos, relembrando-nos sem o mínimo saudosismo o período da ditadura militar em que a ação do Estado na Amazônia e, em especial, no Pará era direcionada à (a) ocupação predatória do território, (b) instalação de infra-estruturas para exploração intensiva dos recursos naturais e (c) à instalação do grande capital nacional e internacional na região.
No PAC do Pará, o montante anunciado é de R$ 46 bilhões que se somados aos outros R$ 59,3 bilhões de investimentos já anunciados pelo governo federal no pirotécnico PAC 2, lançado na abertura da disputa eleitoral, temos a soma impressionante de aproximadamente R$ 106 bilhões para investimentos no período de 2010 à 2014, mesmo o estado não entrando no expressivo circuito do capital ligado aos investimentos relacionados a copa do mundo (2014) e as olimpíadas (2016), mostrando que os investimentos estão ligados principalmente a satisfação dos interesses do capital produtivo nacional e internacional, agrário e industrial.Neste contexto, o que justifica então tantos investimentos direcionados ao estado? Há pelo menos três elementos que explicam este processo: a disponibilidade de recursos naturais estratégicos que continuam a interessar ao grande capital; a benevolência do Estado em aceitar e incentivar estes investimentos; valorização de determinadas commodities no mercado externo.
No entanto, o programa anunciado traz poucos elementos novos e a grande maioria de suas ações já haviam sido anunciadas com grande alarde em outras oportunidades, como pauta do governo federal, estadual, de grandes empresas, do empresariado rural e de setores da oligarquia nacional e une ações diferentes, pensadas e iniciadas em períodos diferentes e que tem como elemento de articulação o projeto a que elas estão submetidas e não a capacidade de planejamento e intervenção do Estado, sendo este um agente importante mais pela sua forma de participação, que poderíamos considerar uma espécie de inércia ativa em que sua função é abrir mão das riquezas naturais, da regulamentação do trabalho e de cobrar as responsabilidades sociais e ambientais gerados pelos investimentos irresponsáveis na região, do que pela sua capacidade de atuar como protagonista do planejamento territorial, com vistas a garantir um arranjo territorial socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Aliás, esta vem sendo uma característica marcante do governo estadual no que tange ao planejamento territorial. Constantemente nos despedimos de oportunidades de afirmar um projeto local de desenvolvimento pela opção do Estado, que observa ao jogo econômico internacional no estado do Pará como um espectador passivo, como em um caso recente onde as duas maiores empresas do estado (Albrás e a Alunorte) foram transferidas pela Vale para a empresa nipo-norueguesa de capital ultra internacionalizado Norsk Hydro em um negócio que beira US$ 5 bilhões, sem que qualquer questionamento fosse feito para tentar impedir o que mais essa ação que busca consolidar a posição do estado como colônia mineral e de semi-elaborados fosse executada. Paralelamente, avança a tentativa de regressão do estado a condição de colônia agrária de exportação com o avanço da pecuária (e da venda do boi em pé) e do cultivo de soja.
Junto a isto, temos um grande conjunto de ações desencontradas, onde as ações que dão prioridade ao crescimento econômico, como os investimentos em indústrias, infra-estrutura e energia, não possuem uma contrapartida ao mesmo nível de ações que busquem melhorar os índices de desenvolvimento social e proteção ambiental, o que indica que a busca pelo desenvolvimento a qualquer custo não é acompanhado de um planejamento do Estado para impedir a formação dos grandes bolsões de pobreza que crescem no estado ao lado dos grandes projetos.
Outro elemento é importante destacar. Dentre as ações anunciadas no programa, há uma concentração dos investimentos produtivos e dos investimentos sociais nas mesmas regiões já dinamizadas pelos grandes projetos ou com recursos naturais de interesse imediato ao projeto econômico perverso que vem sendo levado a cabo, o que intensifica a desigualdade regional do estado e definitivamente não leva em consideração o grau de abandono que diversas regiões do estado se encontram. O estado neste programa continua virado de costas para a nossa realidade e para os nossos problemas sócio-territoriais, dando toda a atenção necessária ao modelo predatório de desenvolvimento baseado na exploração intensiva do trabalho e dos recursos naturais da região, assim como seus agentes e interlocutores locais.

O AVESSO DOS PONTEIROS: o PAC – PA e a saída para trás.
O processo (ou os processos, já que demarcam ações e agentes e agências diferentes) de internacionalização da Amazônia, que tem como marco as ações dos governos militares, ainda não se encerrou. Pelo contrário, com a economia mundial cada vez mais internacionacionalisada pela globalização perversa, o Estado brasileiro (federal e estadual) age no intuito de entregar sem o mínimo pudor a região para a satisfação de interesses inescrupulosos com o discurso de que estes investimentos servirão para o crescimento econômico do estado. No entanto, o que o discurso omite é que junto a este crescimento, poderemos perceber pelo menos três outros elementos: (a) o enfraquecimento da economia nacional, já que a base de sustentação deste capital está ligado ao volátil jogo de interesse internacional; (b) enfraquecimento do poder do estado como gestor e promotor do desenvolvimento local, já que o território transforma-se em uma complexa rede em que essas empresas instaladas passam a atender a interesses verticalizados, vindos de fora; (c) aumento da precária condição de vida das populações atraídas e das populações que já se encontravam na área dos novos projetos.
Um exemplo disto é a disparidade que encontramos hoje entre o PIB dos municípios afetados pelos grandes projetos, como por exemplo de Barcarena (Albrás e Alunorte), Tucuruí (UHE de Tucuruí) e Parauapebas (Projeto Carajás), entre outros, e o IDH da população. No caso de Parauapebas, segundo os dados do PNUD quando analisamos o IDH levando em consideração a renda per capita, o município ocupa o número 1575 no quadro nacional. Quando levamos em consideração a educação o município cai para a posição 1610. Quando o dado é a média do IDH temos a lastimável posição 2128. O que os dados demonstram é que a implantação destes projetos sem a devida preocupação em atender o crescimento da demanda por serviços públicos básicos gerou a depreciação dos indicadores sociais e a precarização da qualidade de vida nestes municípios.
No entanto, o governo estadual lança um “programa” em que o nome já indica a sua opção pela aceleração do crescimento e a sua análise mostra a dimensão predatória deste crescimento. Um parâmetro para iniciar o debate sobre o caráter do crescimento é dado pela divisão dos recursos do “programa”. Dos R$ 46 bilhões previstos, apenas R$ 6 bilhões serão de recursos do governo do estado, levantados a partir de empréstimos, e os outros R$ 40 bilhões são oriundos da iniciativa privada (gráfico 1) fazendo investimentos em sua própria cadeia produtiva.
A diferença presente na origem dos recursos já demarca uma característica do estado do Pará. Neste estado, o lucro líquido obtido apenas pela Vale em 2009 é o dobro do recurso do estado para novos investimentos, fazendo com que as empresas instaladas no território tenham um poder de investimentos muito superior ao próprio estado, ditando o fluxo de investimentos produtivos quando o estado abre mão do seu papel de regulador do território.
Isso fica mais evidente ainda se separarmos as áreas de investimento do PAC – PA em dois grupos. O primeiro como o que privilegia ações no âmbito social, como saúde, educação, segurança, moradia, saneamento e etc. O segundo como o que privilegia o crescimento econômico, com investimentos em setores como energia, indústria e infraestrutura para o crescimento econômico. Nesta separação didática, podemos perceber a discrepância entre os dois grupos, sendo que o segundo é o grande centralizador dos recursos, absorvendo a totalidade dos recursos privados e parte significativa dos recursos públicos previstas para o “programa”, como demonstra o gráfico 2.
O PAC – PA prevê investimentos em sete áreas prioritárias: programa minha casa, minha vida; programa comunidade cidadã; segurança; saúde; programa água e luz para todos; programa cidade melhor; educação; infraestrutura para o crescimento econômico e; energia e industria. A grande disparidade na alocação dos recursos dentro do “programa” é outro elemento que demarca claramente a opção pelo crescimento econômico predatório. Os recursos previstos para o programa Minha Casa, Minha Vida (programa que recebe menos recurso) é pouco mais de 1% do volume de recursos destinados ao setor de energia e industria, que é de longe a área que recebe maior volume de recursos, além de ser a área prioritária na liberação da verba.
As principais parceiras na área de Energia e Industria, são a Vale e a Eletrobrás, e as principais ações no eixo de investimentos em Infraestrutura para o Crescimento Econômico são a construção, pavimentação e modernização dos eixos de transporte que ligam a produção paraense e nacional ao mercado externo. O direcionamento destes recursos e o papel assumido pelo estado não dão conta de resolver um problema central para o futuro do estado: garantir a soberania sobre os recursos naturais e pô-los a serviço de um projeto de desenvolvimento local socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Em contrapartida, o volume de investimentos no setor social é insuficiente para resolver três grandes questões que estão postas para resolver o problema social do estado que são (a) acabar com os bolsões de miséria no estado que estão presente tanto no campo como nas cidades; (b) resolver o problema das desigualdades regionais e; (c) atender a demanda construída pelos grandes projetos por serviços públicos, como demonstra o gráfico 3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cartas estão na mesa, mesmo que algumas estejam em mangas da camisa e alguns jogadores estejam ocultos, apenas como marionetes sentadas conosco. O jogo é uma disputa complexa que envolve, entre outras coisas, projetos de nação, interesses econômicos e objetivos imediatos. O problema é que a revelia de nós jogarmos, o jogo segue.
O estado, que já vem participando do jogo, o faz sob uma perspectiva confusa, abrindo mão do seu papel e sendo um agente importante na consolidação dos interesses hegemônicos já que, como não tem o mesmo poder de investimentos, se omite da possibilidade de ser um regulador das ações e interesses sobre o território.
Neste contexto, nossos recursos naturais e nossa população continuam a ser explorados intensivamente pela opção do crescimento econômico predatório, gerando mais pobreza, injustiça, degradação ambiental e desigualdade regional. O PAC – PA de maneira alguma se configura como um programa que tenha como marca o planejamento e muito menos como uma opção pela resolução do problemas sociais do estado. Buscando o crescimento econômico a qualquer custo, o PAC – PA se configura como mais um assalto ao futuro do povo do Pará protagonizado pelo interesse das grandes empresas na região, conduzidos pela ação perversa do Estado.

Adolfo Oliveira Neto é pedagogo, geógrafo e mestrando em educação. Atualmente é membro do Partido Socialismo e Liberdade no estado do Pará. (PSOL)

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