Memória – Adeus à Ana Clara, Azaléia da Sociologia

[Edmilson Rodrigues]

Meus primeiros contatos com a professora Ana Clara Torres Ribeiro deram-se através da leitura de artigos seus publicados em diversos números da revista Espaço e Debates ainda no final dos anos 70, quando eu estudava arquitetura na UFPa. Nessa fonte também conheci outros expoentes do pensamento crítico na espaciologia, inclusive seu parceiro Milton Santos. A minha amiga assistente social e professora da UFPa Sandra Cruz ajudou-me a admirar a obra dessa grande intelectual, a quem devemos imprescindíveis contribuições teóricas acerca da formação sócioespacial brasileira. Cheguei mesmo a pensar em cursar meu doutorado no IPPUR-UFRJ para nutrir-me, mais diretamente, da sabedoria de Ana Clara. Meu espírito geográfico levou-me à USP. Pelas mãos de Maria Adélia aparecida de Souza, outro ícone da espaciologia contemporânea, é inevitável apaixonar-se pela obra e pela humanidade de Ana Clara, que por ser genial era tão humilde e solidária.
Ana Clara partiu. O Brasil necessita conhecer mais sua obra. É condição para os que pretendem não só interpretar o mundo e o Brasil, mas transformá-lo para a justiça e a liberdade.
O colega geógrafo Fábio Tozi, em resposta à informação sobre o seu desaparecimento, transcreveu um pequeno trecho do infinito jardim de azaléias cultivados por ana Clara, o qual apresento abaixo, como homenagem e expressão de pesar pela partida prematura da Azaléia da sociologia Ana Clara Torres Ribeiro:

Professora,

Estava hoje relendo o “Teorias da Ação” (2002).
Me emocionei com a fala final da Professora Ana Clara, quando recebeu o vaso de azaléias que lhe oferecemos.
Tomo a liberdade de compartilhar com vocês.

Beijos e abraços,
Fábio

“Obrigada, eu agradeço, quando eu disse que era a flor da minha avó, era mesmo. O meu avô, eu vou contar uma historinha porque as narrativas são importantes, aí o meu avô era um pequeno caixeiro-viajante lá do norte dos Estados Unidos; e este homem ganhou na época dele o que se chamava a Loteria da Espanha, ganhou dinheiro que não terminava mais na loteria da época.
E o que fez esse homem: resolveu levar a mulher e as filhas, que ele achava que precisavam muito mais de educação do que os homens, já naquela época ele pensava assim, uma estudava música (?) e a outra pintura, e levou estas criaturas para a Europa, porque achou que tinha que alargar a educação dessas criaturas. E foi pra lá. Numa conjuntura tremenda, logo no final da Primeira Guerra, uma confusão tremenda, e não tinha muito como, minha avó ficou doente, era difícil essa aventura! Era de navio, as coisas não iam rápido e voltavam rápido, era complicadíssimo, tinha a gripe espanhola, uma aventura louca.
Aí eu sei que ficaram uma vez na Itália e a minha avó estava doente, e o meu avô comprou para ela justamente azaléia, porque ela adorava, num vaso, e colocou lá no quarto. Quando eles foram embora não tinha como levar a azaléia, era um vaso grande, então deram de presente a uma alemã, uma senhora, uma alemã idosa, porque a senhora idosa era muito estigmatizada, como se todos alemães fossem igualmente cretinos e mau-caráter; então esta mulher sofria muito, esta senhora, então minha avó resolveu dar para esta senhora, e ela foi lá e deu para ela, e essa senhora alemã ficou emocionadíssima, porque o que ela mais gostava no mundo era flor, música e gatos. E ela recebeu a flor. Como eu também gosto muito de música e de gatos eu acho essa identidade, elas atravessam coisas inacreditáveis, inclusive essas sincronicida des jungianas que no final acabam produzindo compreensões incríveis. Porque estas eram as poucas palavras que a tal senhora alemã sabia falar e a minha avó entender em italiano, deu certo. E esta história ficou na família, então, cada vez que alguém vê uma azaléia conta toda a história. E aí eu cumpri a herança da minha família”.

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Ana Clara Torres Ribeiro
Fortunato Mauro – jornaldaufrj@reitoria.ufrj.br

Socióloga, doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (1988), Ana Clara Torres Ribeiro foi professora Adjunta do Ippur desde 1987 e pesquisadora 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrava o programa Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

No Ippur, após larga experiência com o tema do movimentos sociais (coordenação de grupo de trabalho da ANPOCS, oferta de disciplina e orientação de dissertações de mestrado, além da realização de estudos e pesquisas) criou, em 1998, o Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e território (Lastro) e a disciplina Teorias da Ação, que condensa as orientações teóricas do trabalho experimental desenvolvido pelo Lastro, no qual desenvolveu pesquisa sistemática da Ação Social (reivindicações, protestos e lutas) em contextos metropolitanos, a proposição de novos conceitos e categorias e exercícios com a denominada cartografia da ação.

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