[Fernando Carneiro]
A maneira mais cruel de contar uma mentira é usando argumentos verdadeiros. O Pará é um estado grande e isso é fato. Nosso povo é pobre e isso também é um fato incontestável. Mas afirmar que nosso povo é pobre porque o estado é grande, é uma falácia maldosa. O Brasil tem diversos estados pequenos onde o povo padece das mesmas mazelas que o povo paraense. A falta de escolas e de hospitais que vitimam o povo do interior do estado pode ser sentida em todos os bairros de Belém e das cidades vizinhas. O acesso à riqueza de um estado não depende de suas dimensões geográficas. Logo a questão de fundo não reside no tamanho do estado.
O principal responsável por essa situação é o modelo de desenvolvimento adotado pelo Pará e pelo Brasil. Um modelo que reprimariza a economia, que destrói recursos humanos e naturais transformando nosso povo, nosso subsolo, nossos rios e nossa floresta em mercadoria barata a ser exportada enquanto o povo padece com a redução de políticas públicas.
O discurso separatista de que a divisão do estado resolveria todos os nossos problemas foi rejeitado pela população. De cada três eleitores paraenses, dois foram contra a criação dos estados de Tapajós e Carajás. O NÃO recebeu 2,3 milhões de votos em cada uma das perguntas. O SIM recebeu 1,1 milhão no caso de Carajás e 1,2 milhão no caso do Tapajós. A votação pelo SIM foi menor que a abstenção, que, diga-se de passagem foi bem menor que a prevista.
A mensagem que veio das urnas é clara. A maioria do povo é contrária à divisão. Até mesmo em alguns municípios importantes como Altamira e Vitória do Xingu, que ficariam com o Tapajós caso fosse aprovada a divisão, o NÃO ganhou, demonstrando que há dissenções na base separatista.
Entretanto é forçoso reconhecer a ampla vitória do SIM nas regiões do Tapajós e Carajás, que alcançou a casa dos 98%. O povo dessas regiões transformou sua revolta contra o abandono em voto na divisão.
A grande questão agora é entender que Pará emergiu das urnas. Fazer de conta que não há revolta contra o abandono, crer que a fissura existente foi superada com a vitória do NÃO ou que medidas paliativas irão resolver os problemas estruturais, é o pior que podemos fazer. A descentralização administrativa é necessária, mas insuficiente. Transferir a capital para outra cidade soa mais como uma medida demagógica, com poucos efeitos práticos.
A mensagem contra o abandono tem um endereço certo: são os governos do PMDB, do PSDB e do PT que fracassaram na superação das barreiras entre capital e interior. Jatene agora quer ser o coordenador de uma “pacificação” do Pará. Ora, o resultado mesmo do plebiscito já o descredencia para qualquer tentativa nesse sentido. Seu governo, bem como os de Almir, de Jáder e de Ana Júlia, são os principais responsáveis pelo abandono.
Nossa tarefa agora é continuar organizando as forças sociais e populares que se mobilizaram, muitas de forma espontânea, para que a sinergia criada não se disperse. Há muito por se fazer. É fundamental manter em movimento as forças populares que se mobilizaram durante o plebiscito, pois já está provado que os governantes não têm o menor interesse na solução dos problemas estruturais que afligem nosso estado. Cabe então aos movimentos sociais assumir a vanguarda na luta para a superação da miséria em nosso estado. Para isso precisamos unir todo o povo do Pará, incluindo as regiões do Tapajós e do Carajás, na luta contra a lei Kandir (que roubou mais de R$ 21 bilhões nos últimos anos), na luta contra a corrupção (que corrói mais de R$ 69 bilhões em nível nacional a cada ano). Além disso, precisamos propor uma reforma tributária que atenda aos reais interesses da população brasileira. Mas tudo isso será insuficiente se não avançarmos na luta contra o pagamento da dívida pública brasileira que chegou à estratosférica cifra de mais de R$ 2 trilhões embora tenhamos pago, nos últimos 15 anos, mais de R$ 1 trilhão. Esse mecanismo perverso faz com que quanto mais paguemos, mais devamos. O governo, sempre subserviente aos interesses dos banqueiros, destina quase 50% do orçamento da União para pagamento dos juros e rolagem da dívida. Enquanto isso a educação fica com menos de 3%, a saúde com menos de 4%, o saneamento e a habitação com míseros 0,04%. Precisamos ter uma ação clara contra esse modelo que privilegia o agronegócio, o latifúndio e que se submete aos ditames da indústria da mineração. Só com uma verdadeira Reforma Agrária conquistaremos a paz no campo. Só priorizando a fixação do pequeno produtor rural, poderemos investir na agricultura familiar. Essas são algumas medidas imprescindíveis à solução efetiva dos problemas levantados na campanha plebiscitária.
Ações radicais dirão alguns. Utopia dirão outros. Talvez ambos tenham razão. Só indo à raiz dos problemas a solução será eficaz. É provável que essa resposta desagrade alguns demagogos, mas é o que acredito. Quanto a ser utópica considero isso um elogio. A utopia, aqui entendida como “não lugar” é o que move os revolucionários. Só quem ainda sonha é artífice consciente do futuro.
A “pacificação” do estado, a reconquista de um sentimento de unidade não virá com discursos bem intencionados ou com boa vontade. Virá com ações concretas que demonstrem a vontade de resolver de fato o problema.
O povo mandou outra mensagem aos nossos políticos: não queremos mais políticos, mas políticos melhores, que defendam de fato os interesses do povo e não seus interesses particulares.
Fernando Carneiro é historiador e dirigente do PSOL/PA