As mobilizações populares e a atualidade do Projeto Popular de Brasil

  • [Adolfo Oliveira Neto]

    ImagemAs mobilizações populares que aconteceram em junho e julho de 2013 cumpriram pelo menos duas funções importantíssimas: por um lado, desestabilizaram temporariamente parte da hegemonia política conservadora existente no Brasil e, por outro lado, foram um espaço de construção de uma cultura política ativa na juventude que em grande medida, não participaram das lutas populares pela redemocratização do Brasil e não se tornaram do legado político construído na década de 1980.

    Apesar de uma “propagada” repulsa à partidos políticos, estes são um dos elementos fundamentais para mudar a realidade brasileira a partir da mudança política, além de terem participado ativamente das manifestações, em sua organização, apoio e influenciando na disputa de posições.

    A transcendência e ampliação do sentido destas manifestações passa pela defesa de um projeto popular de país e pela sua relação com os partidos de esquerda que, definitivamente, não perderam representatividade e nem a capacidade de dialogar com a indignação popular. O que perdeu representatividade foi o programa político dos partidos conservadores que vem gerando a indignação do povo quando estes sentem na pele o sistema de perversidades geradas por este programa, gerando o esgotamento prático da ideologia do crescimento econômico como redenção social da classe trabalhadora.

    No entanto, cabem três advertências relacionadas as mobilizações e seu impacto na defesa do projeto popular. A primeira diz respeito limitação do papel político que foi desenvolvido pelas mobilizações, que possuíram um horizonte político limitado justamente pela sua não identificação como classe e sua dificuldade de definição de limites mais profundos para a disputa política. A segunda diz respeito a rápida reorganização da hegemonia burguesa e o conjunto de respostas conservadoras do bloco político hegemônico que tiveram ampla aceitação social por se relacionarem a algumas das pautas de reivindicações, mesmo não buscando soluções estruturantes às questões postas. Por fim, não pode ser minimizado o papel desenvolvido pelos sistemas de legitimação, em especial os meios de comunicação de massa, na produção de uma interpretação ligada aos interesses dos grupos dominantes, fazendo com que parte desta interpretação seja largamente difundida na sociedade.

    A ampliação do sentido social das manifestações de junho e julho e a mudança do sistema de perversidades que se tornou a base da indignação popular passa pela apresentação de uma pauta política de mudança que só a esquerda pode apresentar que defenda, entre outras coisas:

    a) a mudança do metaprojeto de desenvolvimento econômico unidirecional, anti-popular e dependente, que vê o Brasil como uma empresa por um projeto de cidadania que reconheça o Brasil com um estado pluri-nacional.

    b) o projeto popular de Brasil exige a auditoria cidadã da dívida pública como única forma de evitar a dilapidação diária dos recursos públicos e a restauração da capacidade de investimento intensivo nas demandas sociais.

    c) reforma dos sistemas de representação política, para mudar a correlação de forças no Brasil e ampliar o caráter programático do processo de representação e a democracia direta,

    d) revisão dos sistemas de regulação para reequilibra-lo em uma perspectiva de soberania nacional e projeto popular, aumentado o controle sobre o fluxo de capitais, revisando as normas que protegem os interesses da classe dominante e ampliar a garantia de direitos sociais;

    e) revisar os sistemas de legitimação, com especial destaque à necessidade de democratizar os meios de comunicação de massa que no Brasil agem como um partido e se movimentam a partir de seus próprios interesses;

    f) fortalecer os direitos sociais, com especial destaque para: I – o sistema previdenciário, que foram e continuam a ser alvo de intensas contra-reformas protagonizados pelos governos neoliberais; II – o sistema único de saúde, que deve se fortalecer como público, gratuito e universal, além de buscar a humanização e o atendimento dos sujeitos em seus territórios; III – um projeto público e popular de educação, que seja socialmente referendado e relacione-se com os objetivos da classe trabalhadora e a luta por seus territórios.

    g) o avanço da política de reforma agrária pois o agronegócio é, ao lado do mercado financeiro e dos sistemas industriais, uma das principais fontes de sustentação da classe dominante brasileira e de produção de desigualdades.

    Esta não é uma plataforma eleitoral. Ela é uma plataforma política que busca articular alguns dos elementos que estavam presentes nas reivindicações com o projeto político defendido pelos movimentos sociais brasileiros que buscam a construção de um país popular que atenda aos interesses do seu povo. Esta é uma pequena pauta que cria condições para o avanço dos direitos sociais, a mudança da correlação de forças na sociedade e reconhecimento dos direitos territoriais do povo brasileiro.

    Adolfo Oliveira Neto

    Professor da Faculdade de Geografia e Cartografia da UFPA

     

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