Não está muito fácil achar boas notícias no Brasil. A combinação de Jair Bolsonaro, pandemia e desastre econômico tem afundado o País em um dos períodos mais sombrios de sua história. As próprias restrições sanitárias impostas pela Covid-19 praticamente bloqueiam uma reação popular massiva nas ruas, ao menos por enquanto. E o Congresso, com a acomodação entre Bolsonaro e o Centrão, não indica que tomará qualquer iniciativa em relação à tragédia.
Por Guilherme Boulos, publicado originalmente na Carta capital: Com Edmilson Rodrigues, Belém é uma das poucas boas notícias em 2021.
Em meio ao caos nacional, intrincada no coração da Amazônia, Belém nos dá uma luz. As informações municipais de 2020 foram marcadas pela derrota do bolsonarismo, por avanços do centro-direita, mas também pelo renascimento de boas notícias no campo da esquerda, que começou a sair da lona. A vitória de Edmilson Rodrigues , do PSOL, em Belém foi uma delas. Ainda no período eleitoral, uma capital paraense deu um exemplo: lá foi ensaiada a tão desejada Frente de Esquerda, numa aliança que reuniu o PSOL, o PT, o PCdoB, o PDT, a Rede e a UP em torno de Edmilson. Foi uma demonstração de que é possível, no primeiro turno, superar diferenças e unir as possibilidades progressistas. A vitória eleitoral indica que isso pode fazer a diferença.
Edmilson assumiu em 1º de janeiro uma cidade em séria crise financeira e, como em todo o País, com agravamento da pobreza e do desemprego. O Brasil superou 14 milhões de desempregados no fim do ano, a pior marca da série histórica medida pelo IBGE. A segunda onda da pandemia veio feroz, sobretudo na Região Norte, forçando a manter e mesmo endurecer como medidas restritivas. Foi num cenário como esse que Bolsonaro suspendeu o pagamento do auxílio emergencial, que garantia comida na mesa de 68 milhões de brasileiros. Alegou falta de recursos, mesmo tendo em suas mãos a possibilidade de medidas como a ampliação da base monetária (feita, dentre outros, pelo Banco Central Europeu) ou uma tributação emergencial de bilionários (um exemplo da Argentina). Agora, anuncia a retomada de um auxílio minguado e com uma contrapartida de mais medidas de austeridade.
Edmilson, com um orçamento de apenas 3,7 bilhões de reais, anunciou como primeira medida a criação de um programa de Renda Básica para os mais pobres, o Bora Belém.
O benefício pode chegar a até 450 reais. Mostrou que o debate não é apenas contábil, mas, sobretudo, uma questão de prioridades. Aliás, em nossa campanha em São Paulo apresentamos o programa Renda Solidária, que beneficia até 1 milhão de pobres na maior cidade do País. Debatemos longamente com economistas, mostramos como a proposta cabia no orçamento, mas fomos atacados pelos adversários, economistas liberais e parte expressiva da mídia como irresponsáveis com as contas públicas. São Paulo tem um orçamento quase 20 vezes maior que o de Belém. O alcance do programa de Edmilson vai além das fronteiras paraenses e mostra ao Brasil que é possível governar invertendo prioridades.
E não foi somente nenhum tema da Renda Básica que a prefeitura de Belém dá exemplo para o Brasil. Edmilson formou um gabinete paritário, com mulheres à frente de metade das cargas do primeiro escalão. É possível. Tem também a oportunidade de construir uma agenda ambiental positiva, em contraponto à política do “passar a boiada” de Bolsonaro na Amazônia. Belém tem o potencial de mostrar que um partido como o PSOL – em ascensão, mas ainda minoritário na esquerda – não é apenas bom de crítica, mas também pode governar e com um modelo radicalmente comprometido com o povo e o combate às desigualdades. Mesmo com todos os limites de uma gestão municipal, em tempos de crise e de bolsonarismo.
A política brasileira tem enorme dificuldade em reconhecer e assimilar o que vem de fora do eixo Sul-Sudeste. A mídia nacional também. Não fosse isso, o início do governo de Edmilson Rodrigues teria muito mais impacto e repercussão. Belém é, sem dúvida, uma das notícias boas notícias deste início de 2021.
GUILHERME BOULOS é Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.
Uma resposta para “Opinião: O programa de Renda Básica de Edmilson mostra ao Brasil que é possível governar invertendo prioridades”
Governo como o do Edmilson Rodrigues, em Belém, é que ajudará a nos livrar dessa praga que assola o Brasil, chamada, bostonarismo.