Luiz Araújo: Limites e desafios de um governo de esquerda

Edmilson Rodrigues (PSOL) e Edilson Moura (PT), prefeito e vice-prefeito de Belém.

Por Luiz Araújo

Alguém já disse que governar cidades no capitalismo é uma armadilha para a esquerda. Com certeza é. Mas, diante disso, temos dois caminhos: não disputar e esperar o dia da revolução ou disputar e assumir o desafio de administrar as contradições inerentes à vitória.

É um debate teórico, mas que se materializa em dilemas práticos.

Neste momento, na cidade de Belém, vivemos este dilema. Vejamos:

  1. Assumimos uma cidade destroçada (não é exagero). As finanças combalidas, demandas sociais reprimidas ao extremo, servidores com salários congelados desde 2015. E todos os principais programas e ações sendo feitos por convênio com o governo estadual. E, devido à pandemia, os parcos recursos sendo drenados para salvar vidas, garantir leitos e um bom esquema de vacinação.
  2. E duas bombas herdadas do governo anterior: uma lei federal complementar que congela salários até dezembro de 2021 e uma reforma da previdência que obriga estados e municípios a fazer e que está tramitando na Câmara.
    Após o golpe parlamentar de 2016 estamos acumulando derrotas estratégicas no que diz respeito aos direitos sociais.

    A aprovação do teto dos gastos, a reforma da previdência e a PEC emergencial são as principais derrotas. No caso da reforma da previdência, grande parte da maldade foi inserida na Constituição, mas parte se criou a obrigação legal de ser feita pelos demais entes, dentre elas a majoração da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14%.

    O instrumento legal que o governo federal tem para forçar estados e municípios a fazer a reforma é o CRP – Certificado de Regularidade Previdenciária, documento que condiciona a liberação de convênios, transferências voluntárias, empréstimos e outras formas de captação de recursos para investimentos. Esse documento é renovado de seis em seis meses e vence no dia 6 de junho.

    O que fazer nesta situação? Leio de alguns parlamentares e lideranças sindicais que a postura deveria ser se sublevar contra a ordem jurídica, não fazer o ajuste na alíquota e ficar do lado dos servidores. Pessoas bem informadas e formadas reproduzindo um discurso de crença nesta possibilidade não é aceitável, aparenta mais uma forma de evitar possíveis desgastes de apoiar o governo (mesmo sendo parte dele).

    O que seria ficar ao lado dos servidores? Sendo obrigado por força legal a fazer uma majoração da alíquota, conceder correção salarial que zere a perda ou ofereça ganhos. E é justamente o caminho que a Prefeitura de Belém está perseguindo. A hipótese de não fazer (pode ser agora ou mais tarde, a polemica continuará existindo) significaria viver sem ter possibilidades objetivas para dar as respostas para demandas sociais que sustentam a credibilidade do próprio governo. No caso concreto significaria paralisar repasse da renda básica Bora Belém, do programa de limpeza dos canais da cidade para evitar alagamentos, paralisação da obra da Estrada Nova (que beneficia 250 mil pessoas) e do BRT (símbolo do descompromisso do governo anterior e promessa de campanha). Todas dependem de convênios ou liberação de recursos estaduais e federais e sem a CRP não continuariam.

    Temos um obstáculo para cobrir as perdas derivadas da majoração da alíquota previdenciária: a Lei Complementar 173 que congelou até 31.12.21 os salários e o entendimento do TCM de que incorporar abonos é forma disfarçada de corrigir salários. Por isso, a prefeitura vem buscando brechas legais que permitam cobrir tais perdas, sendo o aumento do valor do vale alimentação a única encontrada no momento. Ao mesmo tempo tenta formas de adiar, na medida do possível, a vigência do ajuste da alíquota.

    Concordo que é uma situação angustiante. Mas desinformar os servidores para evitar desgastes pessoais beira o oportunismo. Insinuar que a prefeitura não tem interesse ou sensibilidade para impedir as perdas, mais grave ainda. Existe uma mesa de negociação em andamento e a busca de saída que impeça perdas derivadas da reforma é a prioridade número 01 do governo. Dizer ou insinuar o contrário é mentir.

    Ser governo, de forma plena, significa construir um projeto que conviverá com as contradições inerentes a governar no capitalismo. Um governo de esquerda tira as pessoas do abandono, constrói escolas e unidades de saúde, chama o povo para decidir, qualifica os serviços públicos, torna mais justa e transparente nas relações do poder público com os moradores da cidade. Não podemos estar presentes e solidários apenas no dia do bônus, os quais fortalecem os mandatos e ajudam a mantê-los o futuro.

    Luiz Araújo
    Ex-secretário de educação de Belém (1997 a 2002)
    Ex-presidente do PSOL (2013 a 2017)

Texto publicado originalmente em seu perfil no Facebook

Deixe uma resposta