A microfísica da militância

Sérgio Domingues [Pílulas Diárias]

Em entrevista ao jornal Valor, publicada em 27/03, Paul Singer fez a seguinte afirmação:
O PT está num impasse, porque uma parte dele transformou-se em políticos profissionais, o que no inicio do partido seria visto com horror. Muita gente dentro do PT é obrigada a ganhar eleições ou está na rua da amargura. Isso é o normal na política brasileira: a pessoa acaba se profissionalizando na política e a partir daí o seu interesse individual o leva a fazer concessões. Os grandes ideais passam a ser secundários. É por isso que o PT acabou fazendo alianças sem nenhum critério
Singer é militante veterano do PT. Também é secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho do governo Dilma. Portanto, fala com grande conhecimento de causa.

Mas o problema que denuncia não diz respeito apenas à política brasileira. É o que mostra uma afirmação de Gramsci em relação ao movimento sindical europeu. Segundo o marxista italiano:
O desenvolvimento normal da organização sindical gera resultados opostos aos que tinham sido previstos pelo sindicalismo: os operários que se tornaram dirigentes sindicais perderam completamente a vocação do trabalho e o espírito de classe e adquiriram todas as características do funcionário pequeno-burguês, intelectualmente preguiçoso, moralmente pervertido ou fácil de se perverter. Quanto mais o movimento sindical se alarga, ao abarcar grandes massas, tanto mais o “funcionarismo” se espalha (do livro “O Poder Simbólico”, de Pierre Bourdieu).
O que Gramsci chamou de “funcionarismo” também pode ser chamado de burocracia. A palavra é produto da junção de “bureau”, “escritório” em francês, e “krátias”, que é “poder” em grego. Ou seja, estamos falando daqueles que, a partir de seus gabinetes, exercem seus poderes mesquinhos.

Empresas, entidades e instituições estão cheias desses tipos. Infelizmente, os partidos de esquerda, sindicatos e outras organizações populares também estão. Antigos e combativos militantes domesticados pela profissionalização.

Nem todos são cínicos, vendidos, traidores. Muitos estão presos nessa espécie de “microfísica do poder”. Por isso não é o caso de elegê-los como inimigos principais. Merecem que sejam denunciados por seu papel vergonhoso. Mas na “macrofísica” da dominação, os verdadeiros inimigos continuam a ser os patrões e seus governos.

As organizações que realmente lutam pela transformação social precisam se livrar da dependência que desenvolveram em relação a suas burocracias. A verdadeira militância tem que ser a opção de milhares de homens e mulheres comprometidos com a luta concreta. Que tiram seu sustento do trabalho que fazem nas fábricas, no comércio, escolas, bancos, lavouras, serviços públicos.

4 respostas para “A microfísica da militância”

  1. Os partidos políticos são as novas empresas capitalista de onde extraem do povo, materia-prima da política, seus capitais. Não há interesse de mudança desse quadro por parte dos proprietários dessas empresas, logo, o povo será mantido na ignorância. E ainda chamam a isso de democracia, onde somos obrigados a votar…

  2. Concordo com a proposição de política profissional, mas não só para os políticos do PT, pois a política das organizações chamada de partido político é totalmente profissionalizada e seus atores também o são. Assim como os sindicatos mergulharam na burocracia os partidos mergulham no institucionalismo, e é neste sentido que não a microfísica mas a micropolítica ganha fôlego, pois atuam de forma menos profissional no campo da disputa pelo poder. O povo deveria ser mais político.

  3. Quando na oposição o PT fazia a política da revolução e agora, no governo, faz a política da alienação com a “micropolítica” muito bem observado por você Sinderlei que está sob a organização da pequena burguesia que se aproveita do lumpemproletariado para implantar programas assistencialistas e manter o status quo, contando também com as ONG’s que hoje fazem o papel das antigas entidades da caridade ou f(p)ilantrópicas como Lions Club, Leo Club, Rotary e seus congêneres. Assim, todo partido (e governo) mantém o lumpemproletariado como exército de reserva (massa de manobra para ganhar eleição – viciada, diga-se!) assim como os capitalistas fazem com os trabalhadores desempregados. Esta é a política profissional oficializada.

  4. Atuar de forma menos profissional na disputa do poder é fazer o que o PT fazia com sua militãncia, a qual atuava politicamente sem ter a verdadeira consciência que tão somente era uma luta pelo poder da elite petista. Algo que se identificava com as lutas do povo. Mas a partir do momento em que o PT se elevou ao poder sem “assalto aos ceus” a sua política teve que obedecer aos ditames do capitalismo – a profissionalização. Neste sentido, a macropolítica já não surti efeito para a enganação do povo, assim a micropolítica protagonizada pelas ONGs e suas “congêneres”, como salientou Luiz Mário, tomam o lugar do PT principiante, agitador e mobilizador. Assim a dinãmica dominadora se mantem.

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