O jornal O Globo se referiu a Bruno como o “maior indigenista de sua geração”, que sabia falar quatro línguas das etnias do Javari e tinha os índios como irmãos
Nesta segunda-feira (13), ao mesmo tempo em que corria a notícia de que os corpos do indigenista Bruno Ferreira e do jornalista Dom Phillips, haviam sido encontrados, viralizava nas redes um vídeo em que Bruno Pereira cantava uma canção indígena.
Uma cena comovente em que, com um sorriso de garoto que se diverte, o indigenista é acompanhado por vozes, provavelmente de indígenas que não aparecem no vídeo, que ressoam no eco da floresta sem fim.
Nesta quarta (15), a notícia que todos temiam veio à tona. A Polícia Federal confirmou a morte de dois dos maiores lutadores e defensores da Amazônia que este mundo viu. O jornal O Globo se referiu a Bruno como o “maior indigenista de sua geração”, que sabia falar quatro línguas das etnias do Javari e tinha os índios como irmãos.
Já Dom Phillips amava o Brasil e a Amazônia e terminava um livro, intitulado “Como salvar a Amazônia”. Ele ostentava, em seu perfil no Twitter, uma foto cujo fundo era uma imensa área preservada da floresta, que acabou rodando o mundo. Uma das últimas postagens do jornalista britânico em seu Twitter denunciava a base de apoio de ruralistas no governo Bolsonaro, responsáveis políticos diretos pela onda de criminalidade humana e ambiental na região.
Folha talked to 12 agribusiness leaders and found support for Bolsonaro still strong. Reasons include freeing up gun laws and support for exploiting protected Amazon areas including Indigenous reserves. Read destroying native forests for monoculture. https://t.co/fyW65wyhMq
— Dom Phillips (@domphillips) May 31, 2022
O remix
O cantor, compositor e arranjador André Abujamra assistiu ao vídeo, assim como milhares de brasileiros, comovido. Impulsionado pela emoção da história, a candura das imagens e tudo o mais fez um remix do canto.
Abujamra conta: “eu não costumo ficar profundamente triste. Quem me conhece sabe que sou muito otimista e raramente faço a tristeza me dominar, mas hoje eu quebrei a espinha! Geralmente eu faço música como uma oração! Quando vi o vídeo do bruno chorei muito e daí fiz esse remix! meu amigo /irmão Mauro Renui fez o vídeo! força e amor”.
O que já era bonito por si só, virou um épico, impulsionado pelos fatos e pelo tratamento dado a Abujamra à canção. Uma sofisticada reação musicada à destruição de uma das regiões mais nobres do mundo pelo garimpo, pelos madeireiros, criadores de gado e toda a sorte de exploradores que receberam sinal verde de um governo decidido a “passar a boiada” pelo local.
Com samples de cordas, flautas e percussões, a multiplicação das vozes e uma profusão de sons derramados, o compositor e arranjador impulsiona o canto solitário de Bruno, um homem só no meio da floresta a que devotou sua vida, às milhões de rotações do planeta. À sua real grandeza.
O vídeo de Mauro Renui convoca os passos de Chico Mendes, Dorothy Stang entre outros tantos heróis anônimos – entre eles os indígenas donos improváveis do território – a se somarem a Bruno Pereira e Dom Philips. A música sobe em círculos e vertigens, feito um mantra.
André Abujamra estica a corda da emoção e nos entrega uma obra-prima composta por todos os povos da floresta. Um novo Hino Nacional que já era escrito séculos antes dos brancos, séculos antes de tudo.
Um grito de dor que reproduz e multiplica os novos heróis da floresta que virão encantados pelo canto de Bruno Pereira, Dom Philips e os indígenas do Vale do Javari, extremo Oeste amazônico, nos confins da América do Sul.
Por Julinho Bittencourt, via Revista Fórum