Joselicio Junior: um novo paradigma para a esquerda brasileira

Paulo Pinto/ Agência Brasil

Por Joselicio Junior

Via Revista Fórum

 

A geração que lutou pela implantação das políticas de cotas nas universidades nas últimas décadas não conseguiu medir o tamanho do alcance e do impacto dessa política para a população negra. Os efeitos vão desde de uma possibilidade de mobilidade social, quebrando ciclos familiares de pobreza, passando por novos desafios dentro da própria universidade brasileira que está sendo provocada a repensar os seus currículos, novas linhas de pesquisas estão se abrindo, intelectuais negligenciados sendo resgatados, enfim, mesmo a universidade ainda sendo um espaço restrito, a luta por sua diversificação, ampliação e popularização abre janelas importantes para a luta social.

Digo isso, pois uma parte significativa dos/as dirigentes e pensadores do que conhecemos como esquerda brasileira no último século foram forjados nesses espaços universitários, formando uma elite intelectual protagonizada por pessoas brancas e oriundas da classe média ou da elite econômica do país. Assim, constituindo uma dinâmica cíclica que formou gerações, sendo o movimento estudantil o momento de preparação  para formação de quadros que irão ocupar espaços de direção partidária, figurar como lideranças disputando eleições e ocupando espaço no parlamento e outros cargos estratégicos.

Essa dinâmica produziu uma hierarquia entre o corpo dirigente e as dinâmicas de mobilização social de setores da classe trabalhadora e essa distância, por vezes, dificultou um diagnóstico mais apurado sobre a realidade vivida e sobretudo a construção de saídas emancipatórias. Aqui não se trata de negar todo o legado e a importância da organização da esquerda da brasileira, mas trata-se de chamar a atenção para um traço elitista na conformação dos espaços de direção e que neutraliza o protagonismo de setores populares e particularmente de negras e negros.

O alargamento do debate racial no conjunto da sociedade, fruto inclusive de lutas históricas do movimento social negro já vem sendo absorvido inclusive por setores das elites que buscam mitigar os efeitos perversos do capitalismo em seu atual estágio que é o neoliberalismo, com o ideário da diversidade e representatividade, como se isso fosse o suficiente para enfrentar desigualdades estruturais que produzem, fome, violência e falta de oportunidades.

Os efeitos dessa ampliação do debate racial obviamente também rebate na própria esquerda, em um primeiro  momento busca se acomodar essa discussão como algo setorizado e como um segundo plano na luta de classes, em um segundo momento dirigentes brancos são confrontados e constrangidos a abrir espaço para representação negra, seja nos espaço de direção partidária, como nas representações políticas institucionais, particularmente no parlamento.  Arriscaria dizer que estamos diante da possibilidade de construir um terceiro momento,  onde negras e negros protagonizam um novo ciclo da esquerda brasileira.

Essa perspectiva se aponta a partir de parte desses elementos que descrevemos até aqui como: ampliação do debate racial na sociedade, ampliação da presença negra nas universidades, a ampliação da presença negra nas direções partidárias, movimentos sociais  e nas lideranças políticas, ancorados em um programa que mostre as contradições do sistema capitalista, que não é capaz de apontar respostas para nossos dilemas econômicos e sociais.

Ao mesmo tempo,  um programa que aponte para a centralidade da disputa do cotidianos das pessoas, de ações comunitárias, que dispute o imaginário popular, que dispute valores, mas que sobretudo aponte saídas concretas e coletivas para dilemas cotidianos, sem perder a dimensão da necessidade de acumular força para mudanças mais estruturais.

De forma alguma podemos negligenciar o avanço da extrema direita fascista e todos os seus desdobramentos nas relações sociais cotidianas, porém uma visão hierarquizada e burocratizada de parcela das esquerdas que estabelece uma visão caricata de nosso povo nos enfraquece na disputa que precisamos travar na sociedade.

As tarefas e os desafios são enormes, mas os passos precisam ser dados, neste sentido, a realização do II Encontro da Negritude do PSOL entres os dias 26 e 28 de abril em Salvador/BA, demonstrou que é possível construir essa janela histórica, ao afirmar como lema “Negras e Negros Pensando o Brasil”, sinaliza para um novo paradigma não só para o PSOL, mais para esquerda, onde não se basta mais a autoorganização de negras e negros, atribuindo o universalismo para os homens brancos e o específico para nós.

O novo paradigma se trata de um novo equilíbrio de forças que impulsione um novo ciclo da esquerda que seja capaz de enterrar o fascismo, mas sobretudo esteja conectada com os anseios da maioria, que retome uma agenda propositiva e de avanços.

Para encarar esse desafio temos  algumas tarefas fundamentais  dentre elas fortalecer um polo de esquerda do movimento negro em dialogo profundo com movimentos sociais populares e territorializados como sem teto, sem terra, sem direitos, movimentos culturais periféricos entre outros e que aponte  para uma agenda que vá além de demandas específicas e pense mudanças mais estruturais como enfrentar a concentração da riqueza, o direito a terra e ao teto e mudança no modelo de segurança pública.

Essa articulação deve se transformar em uma força social e política que seja capaz de dirigir partidos, movimentos, impulsionar novas lideranças, estabelecer diálogo e articulação com organizações do movimento negro do Sul Global, constituindo uma autonomia em relação as pressões do grande capital, particularmente estadunidense,  que busca monopolizar a agenda do movimento negro a partir dos seus interesses.

O cenário é complexo e desafiador, mas como já afirmamos os passos precisam ser dados, não tenho dúvida que o movimento social negro de esquerda tem muito a contribuir para conformação de um novo bloco histórico emancipatório em nosso país.

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